Marco do romantismo exacerbado, daquele em que o amante, por amor ou paixão, acaba se matando, a história é toda contada através de cartas escritas pelo próprio protagonista, o jovem Werther do título. A maioria destas cartas são endereçadas ao amigo Wilhelm, que é também o "editor/organizador" do livro, e que no fim acaba escrevendo alguns detalhes da história, expondo fatos sobre o consternado Werther.
A história de amor mal sucedido é simples, mas não deixa de ser tocante. Talvez justamente pela sua simplicidade, ela facilite a identificação de cada um de nós, com os problemas vividos por Werther.
Werther está viajando a serviço de sua mãe. Nesta localidade distante de sua casa, por um acaso conhece Charlotte (Lotte), por quem acaba se apaixonando desesperadamente. Entretanto, desde o começo este amor está fadado a não acontecer, pois ela está prometida em casamento a Albert, casamento este, que durante a história, realmente acontece. Infelizmente pra Werther, o Albert nem é tão ruim, chegando ao ponto de até ter uma amizade entre eles, o que é mais sofrido ainda para Werther, já que nem odiar o rival, ele pode. E no final, como todo romântico extremista, Werther decide morrer.
Ok, agora que eu já contei o final, não pense que não vale a pena ler o livro (até porque, convenhamos, é a mesma coisa que contar o final de Romeu e Julieta, todo mundo sabe que eles se matam). Assim como na vida em geral, o que mais vale, neste caso, é a jornada e não o seu destino.
Alguns trechos/citações que eu selecionei durante a leitura (os grifos são meus):
Antes de conhecer a amada Lotte, divagando sobre as pessoas, o mundo, a natureza, a arte e o amor:
17 de maio de 1771
Tenho conhecido muita gente, porém ainda não encontrei companhia. Não sei o que em mim atrai as pessoas: muitas delas prendem-se a mim e se afeiçoam. Contudo, aborreço-me por não poder dar a todos maiores atenções. Se você me perguntar como são as pessoas daqui, serei forçado a responder: "Como em toda parte". Como a espécie humana é uniforme! A maioria trabalha durante quase todo o tempo para poder viver, e o pouco tempo livre que lhe resta pesa-lhe de tal modo, que procura todos os meios possíveis para dele se libertar. Oh, o destino do homem!
22 de maio
A vida humana não passa de um sonho. A muita gente ocorreu essa impressão que também me acompanha por toda parte. Quando vejo os limites que aprisionam as faculdades de ação e pesquisa do homem, e como toda atividade visa apenas a satisfazer nossas necessidades, que por sua vez não têm outro objetivo senão prolongar nossa mísera existência; quando verifico que toda a tranqüilidade em relação a certos pontos não passa de uma resignação sonhadora, como um prisioneiro que enfeitasse de figuras multicoloridas e luminosas perspectivas as paredes da sua prisão... tudo isso, Wilhelm, me faz emudecer. Concentro-me e encontro um mundo em mim mesmo! Mas, também aí, é um mundo mais de pressentimentos e desejos obscuros do que de imagens nítidas e forças vivas. Tudo flutua vagamente em meus sentidos, e assim, sorrindo e sonhando, prossigo na minha viagem pelo mundo.
House meets Morpheus.
26 de maio
(...) Isso fortaleceu o meu propósito de, daqui para frente, manter-me unicamente ligado à natureza. Só ela é infinitamente rica e só ela é capaz de formar os grandes artistas. Muito se pode dizer a favor das regras de arte, bem como a favor das leis da sociedade. Quem se pauta segundo essas regras não produzirá nunca uma obra absurda nem completamente ruim; do mesmo modo, um homem educado segundo as leis e o decoro jamais poderá ser um vizinho intolerável nem um insigne malfeitor. Apesar disso, diga-se o que se disser, toda regra destrói o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza. Você dirá: "Isso é injusto! A regra só indica os limites, poda as ramagens muito luxuriantes, etc.". Meu bom amigo, quer uma comparação? Todas essas coisas são como o amor. Um jovem dá seu coração a uma mulher, passa junto dela todas as horas do dia, consome todo o seu vigor e tudo quanto tem para lhe testemunhar que se consagra a ela inteiramente. Aparece um pedante, um homem de bom senso, e diz ao moço: "Meu caro senhor, amar é próprio do homem, mas é preciso amar como pessoa razoável. Divida bem o seu tempo, dedicando uma parte ao trabalho, e a outra, as horas vagas apenas, à mulher amada. Calcule as suas posses, e só gaste o que sobrar. Não lhe vou censurar que dê a ela um presente, mas não em demasia. No dia do aniversário, por exemplo, etc." Se o nosso jovem seguir esses conselhos, tornar-se-á um sujeito útil, e eu mesmo faria empenho junto a um príncipe para que lhe confiasse um emprego público. Mas então, adeus amor, e se é artista, adeus talento.
Se alguém me desse um conselho como esse, levaria uma porrada na cabeça. A pessoa que seguisse esses conselhos se tornaria mesmo patético. E já diz o dito popular: quem sabe faz, quem não sabe, dá conselho.
Na carta em que relata ao amigo, o encontro do grande amor, a bela Lotte:
16 de junho
Por que não lhe tenho escrito? Justamente você, que é um sábio, me pergunta isso? Devia ter adivinhado que estou muito bem e que... resumindo, conheci alguém que tocou o meu coração. Eu... eu não sei mais o que dizer.
Não é fácil contar-lhe na ordem como as coisas aconteceram, que me fizeram conhecer a mais adorável das criaturas. Sinto-me contente, feliz; serei, por conseguinte, um mau cronista.
É um anjo!... Ora, já sei que todos dizem isso de sua amada, não é verdade? Todavia, é-me impossível dizer a você o quanto ela é perfeita, e também o porquê de ser tão perfeita. Só isso basta: ela tomou conta de todo o meu ser.
Quem nunca conheceu alguém que pudesse ser descrito(a) assim, não se apaixonou.
Sobre a força de um olhar, quando se está apaixonado:
8 de julho
Como somos crianças! Que valor damos a um olhar! Ah como somos crianças!... Tínhamos ido a Walheim; as damas foram de carro. Durante o caminho, creio ter visto os olhos negros de Lotte... Perdoe-me, que estou louco, mas eu queria que você visse aqueles olhos! Mas como meus olhos estão pesados de sono, vou resumir: quando as damas subiram, permanecemos todos de pé, em torno do carro, o jovem W., Selstadt, Audran e eu. Elas conversavam pela portinhola com esses moços que, para dizer verdade, se mostravam muito frívolos e levianos. Eu buscava os olhos de Lotte, mas, ah!, eles iam de um lado para outro, sem pousar em mim, que ali estava sem outro pensamento que não fosse para ela! Meu coração mil vezes lhe repetia adeus, e ela não olhava para mim!
O carro partiu, e uma lágrima rolou dos meus olhos. Segui-o com o olhar, vi os cabelos de Lotte se agitarem para fora da portinhola e notei que ela se voltava para olhar... Seria para mim? Meu caro Wilheim, flutuo nesta incerteza, e meu único consolo é dizer a mim mesmo: "Talvez ela tenha voltado para me olhar!" Talvez!...
Boa noite! Ah! Como sou criança!
Um olhar, um cumprimento, qualquer migalha é preciosa para o apaixonado.
Todo apaixonado fica idiota. Muito!
18 de julho
Wilhelm, que seria do nosso coração em um mundo inteiro sem amor? O mesmo que uma lanterna mágica apagada! Assim que se põe lá uma lâmpada, imagens de todas as cores surgem na tela branca... E mesmo se fosse apenas isso – fantasmas –, ainda assim continuará fazendo a nossa felicidade, sempre que nos postarmos diante deles, como crianças extasiadas com aquelas aparições maravilhosas.
Hoje não pude ir à casa de Lotte, pois fiquei retido em uma reunião na qual não podia faltar. Que podia fazer? Mandei lá o meu criado, apenas para ter junto de mim alguém que tivesse estado com ela. E com que impaciência o esperei! Com que alegria o vi regressar! Fiquei com vontade de beijá-lo, mas tive vergonha.
Conta-se que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, absorve-lhe os raios e fica por algum tempo luminosa durante a noite. Pareceu-me haver acontecido o mesmo com o meu criado. Só de pensar que os olhos de Lotte tinham pousado em seu rosto, nas suas faces, nos botões da sua libré, no seu colete, fez com que ele se tornasse para mim tão precioso, tão sagrado! Nesse momento, eu não daria o meu criado por dinheiro nenhum. Eu me sentia tão feliz junto dele!... Queira Deus que você não ria de tudo isso! Ah! Wilhelm, será ilusão ser feliz?
Sim.
Não é a toa que dizem que quando apaixonados, perdemos o chão. Quando isso acontece, é como se não estivéssemos conosco:
22 de agosto
Que desgraça, Wilhelm! Perdi toda a minha capacidade de criação, a qual cedeu lugar a um misto de indolência e agitação. Não posso ficar ocioso e, no entanto, nada posso fazer. Não tenho mais imaginação, nem sensibilidade pela natureza, e os livros só me inspiram tédio. Tudo nos falta quando faltamos a nós próprios.
No período do "exílio" auto-imposto, longe de Lotte:
16 de julho de 1772
É verdade: sou apenas um viajante, um peregrino sobre a terra! Será você algo mais do que isso?
A diferença entre um andarilho e um peregrino é que o segundo tem um destino.
Numa carta para Lotte:
10 de outubro
Para eu ser feliz, basta-me contemplar seus olhos negros! E, no entanto, Albert não me parece tão feliz como... esperava, e eu... supunha, se... Não gosto de usar reticências, mas desta vez não saberia expressar-me de outra forma, e parece-me ter sido claro o bastante.
Reticências. Para quando o silêncio diz mais do que quaisquer palavras.
Sobre a insignificância do homem:
26 de outubro
Sim, meu caro, para mim, cada vez estou mais certo de que a existência dos seres tem muito pouca importância. Chegando uma amiga de Lotte, retirei-me para o cômodo vizinho a fim de procurar um livro que, aliás, não consegui ler; então, pus-me a escrever. Elas conversavam em voz baixa, contando coisas insignificantes, novidades da cidade: que esta casou, que aquela outra está muito doente. "Está com tosse seca, o rosto cavado, sofre de uma fraqueza contínua: não dou nada pela sua vida", dizia a amiga. "O senhor N. N. também está muito mal", respondeu Lotte. "Ele está inchado", disse a outra. A minha viva imaginação transportou-me para junto do leito daqueles desgraçados e vi com que pesar eles abandonavam a vida, como eles... E, Wilhelm, aquelas duas jovens falavam deles como se fala... da morte de um estranho. Olho em torno e, vejo neste quarto vestidos de Lotte, papéis de Albert, estes móveis que se me tornaram tão familiares, este tinteiro, e digo a mim mesmo: "Veja o que você agora representa nesta casa: tudo para eles! Seus amigos lhe têm consideração e estima, você dá a eles muitos momentos de alegria e supõe que seu coração não poderia viver sem eles. No entanto... se você partisse, se desaparecesse desse círculo, por quanto tempo sentiriam o vazio que a sua ausência lhes causaria? Por quanto tempo? ...." Ah! O homem é tão efêmero que, mesmo onde está verdadeiramente seguro da sua existência, no único lugar em que sua presença produz uma impressão real – na memória e no coração dos amigos – mesmo ali ele vai apagar-se e desaparecer, e logo!
O desespero do amor:
27 de outubro, à tarde
Tenho tanto! E o sentimento que tenho por ela devora tudo. Tenho tanta coisa, mas sem ela tudo para mim é como se não existisse.
3 de novembro
Só Deus sabe quantas vezes vou dormir desejando nunca mais despertar; e pela manhã, quando abro os olhos e torno a ver o sol, sinto-me um desgraçado. Ah, se eu fosse um maluco, poderia jogar a culpa no tempo, em outra pessoa, num projeto fracassado, e assim o peso insuportável da minha dor poderia ser dividido. Que desgraçado sou: sei perfeitamente que sou o único culpado... não exatamente culpado, mas é em mim que está a fonte de todos os meus males, como outrora a fonte de toda a minha felicidade. Não sou mais o homem que outrora nadava num mar de rosas, e a cada passo via surgir um paraíso, e cujo amor era capaz de abranger o mundo inteiro? Mas o coração que assim pulsava está morto, dele não brota mais nenhum encanto; meus olhos, agora secos, não se refrescam mais de lágrimas benfazejas, e a angústia abafa os meus sentidos e enruga a minha fronte. Sofro ainda mais ao verificar que perdi aquilo que dava encanto à minha vida, sagrada e tumultuosa força graças à qual podia criar mundos e mundos a meu redor. Essa força acabou. Quando contemplo da minha janela o sol da manhã romper a bruma sobre a colina distante, iluminando a campina silenciosa no fundo do vale, e vejo o rio correndo suavemente para mim e serpenteando entre os salgueiros desfolhados, essa natureza me parece fria e inanimada como uma estampa colorida – agora toda essa magnificência não consegue fazer passar para o meu cérebro nenhuma gota de felicidade do meu coração, (...)
É como se eu mesmo tivesse escrito esta carta.
Nestas situações, proximidade é apenas um veneno:
21 de novembro
Ela não vê, não sente que prepara um veneno que vai nos destruir a ambos. E eu bebo com volúpia a taça em que ela me oferece a morte? Por que olha, tantas vezes, de um jeito tão bondoso? Nem sempre, mas enfim, às vezes. Por que essa complacência com que aceita as expressões involuntárias dos meus sentimentos, e a compaixão pelo meu sofrimento que transparece em seu rosto?
Ontem, ao sair, ela estendeu-me a mão dizendo: "Adeus, querido Werther!" Querido Werther! É a primeira vez que me chama assim, e a alegria que senti penetrou-me até a medula dos ossos. Repeti a palavra centena de vezes e, à noite, ao deitar-me, eu disse "boa noite, querido Werther!", e não pude deixar de rir de mim mesmo.
Uma carta ambígua, com um tom de despedida, e que precede as ações derradeiras de Werther:
20 de dezembro
Obrigado por sua amizade, Wilhelm, por ter compreendido tão bem as minhas palavras. Sim, você tem razão: o melhor é partir. A proposta de retornar para junto de você não me agrada inteiramente. Antes, eu gostaria de fazer uma excursão, sobretudo neste momento que esperamos boa geada e bons caminhos. Fiquei feliz pelo seu projeto de vir até mim. Apenas aguarde uns quinze dias, findo os quais receberá uma carta minha, contendo os pormenores necessários. Não se deve colher o fruto antes de maduro, e quinze dias a mais farão muita diferença. Diga à minha mãe que reze pelo filho; diga-lhe também que perdoe a mágoa que lhe tenho causado. É o meu destino entristecer aqueles a quem devia tornar felizes! Adeus, querido amigo! Que o céu derrame todas as bênçãos sobre você! Adeus!
Olá, já comecei a ler o livro do Goethe e estou gostando muito. Orgulho e preconceito já li, você realmente tem muito bom gosto tratando-se de literatura. Abraços!
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