A maioria das pessoas associa filmes de animação com filmes infantis, especialmente aqui no Brasil. O que, apesar de não ser o caso, é compreensível: tirando alguns filmes cheios de camadas e que servem "para toda a família" sem os adultos quererem se matar, como o genial Wall-E da Pixar, a maioria dos filmes de animação é mesmo infantil (o que também não impede de adultos apreciarem). Entretanto, este não é o caso de Mary e Max - Uma Amizade Diferente (ou apenas Mary and Max no original), que vi no cinema ontem. (Depois de mais de 3 meses da estreia nacional, mas quem mandou morar numa capital culturalmente inexpressiva, também?)
Mary e Max é uma animação stop motion feita com massa de modelar, ou a popular massinha. Filme australiano, levou quase cinco anos para ficar pronto, e conta a emocionante história (baseada em uma história real) de dois solitários muito diferentes, que por um acaso, acabam se tornando amigos através de cartas (algo que hoje equivaleria a você adicionar/seguir alguém sem conhecê-lo "ao vivo").
É 1976, e Mary Daisy Dinkle é uma garotinha australiana de oito anos, que não tem atenção dos pais, um pai taxidermista nas horas vagas e uma mãe alcoólatra. Como toda criança, ela é curiosa, gosta de chocolate e leite condensado, e do desenho animado dos Noblets, e seus únicos amigos são os Noblets de brinquedo que ela mesma fez e um galo que achou na rua. Esta parte da introdução tem "um quê" de Amélie Poulain, com um narrador apresentando as personagens e alguns de seus gostos, o fato da protagonista ser solitária, bem como um toque de surrealismo. Mas logo fica evidente que o clima não é o mesmo: além da fotografia monocromática marrom retratando a Austrália, as condições de Mary são muito mais tristes.
Certo dia, Mary está no correio e vê um catálogo de endereços da cidade de Nova York. Curiosa a respeito se os bebês nascem da mesma maneira nos Estados Unidos (será que lá eles nascem em latas de coca-cola, ao invés de canecas de cerveja, como na Austrália?), ela aleatoriamente escolhe um nome para escrever e perguntar sobre o assunto. E acaba escrevendo para Max Jerry Horovitz, um senhor judeu de 44 anos, que frequenta uma espécie de "comedores compulsivos anônimos", solitário e meio autista (na verdade, descobrimos mais tarde que ele tem Síndrome de Asperger). Daí, dessas duas almas solitárias (exceto pelo galo de estimação e pelo amigo invisível de Max), nasce uma amizade baseada na troca de cartas (e de presentinhos juntos).
Como toda amizade, essa também tem os seus percalços, mas no fim, ela se estende por duas décadas, e neste período, vamos acompanhando as mudanças nas vidas dos dois personagens, que apesar de separados por um grande oceano (e continente), são importantíssimos na vida um do outro.
Apesar do tema ser amizade, não espere um filme feel good ou bonitinho. Mary e Max é um drama adulto, que tem seus momentos de alívio cômico, mas que é basicamente, um drama. E até meio depressivo. Basta reparar na fotografia do filme, sempre bem monocromática: enquanto o marrom predomina na Austrália, enfatizando o clima desértico, Nova York é de um cinza quase predominantemente negro. De fato, a única coisa que quebra um pouco essa escuridão nova-iorquina são alguns itens que Mary envia para o amigo, como o pompom que Max usa em cima de seu chapéu tradicional "para esquentar a cabeça".
As conversas entre Mary e Max são bastante filosóficas. Mesmo com uma interlocutora criança, Max não poupa assuntos mais maduros, como amor e solidão. De certa forma, isso confere à narrativa um tom meio surreal, e que ao mesmo tempo é deliciosamente divertido. Bem, talvez tão delicioso quanto o cachorro quente de chocolate, inventado pelo senhor rechonchudo. ;)
Apesar do clima bastante depressivo em várias partes (como quando Mary se vê no fundo do poço), o filme consegue não se tornar maçante com um clima pesado demais. Além dos diálogos (via cartas) serem muito bons, há ainda diversos alívios cômicos espalhados, o que quebram um pouco o ritmo sombrio e não deixam o filme ser apenas lágrimas. Aliás, temos diversos momentos genialmente engraçados, como quando Max explica sua doença e cita como exemplo que às vezes ele toma as coisas muito ao pé da letra. (Se você não entende inglês, saiba que a expressão "take a seat" é "sente-se", mas literalmente quer dizer "pegue um banco".)
Tecnicamente, gostei da animação. Reparem como os cenários e detalhes são muito bem cuidados. Ao contrário dos personagens, que têm uma animação meio "quebrada", o que é bem visível quando eles caminham. Provavelmente intencional, demonstra também o quão "quebrados" por dentro são os personagens. Outro ponto a se destacar em Mary e Max é a trilha sonora. Ela acompanha de forma espetacular os personagens, algumas vezes antecipando alguma tensão, outras nos fazendo mais alegres, apesar da fotografia ainda monocromática.
A atuação das vozes é excelente, e como o filme era legendado, pude conferir o trabalho dos dubladores originais, grandes nomes de Hollywood. Os protagonistas são interpretados por Toni Collette e Philip Seymour Hoffman, que estão tão excelentes quanto irreconhecíveis no trabalho de voz.
Enfim, Mary e Max é uma excelente animação, para adultos e com temas adultos. Considerando isso, o diretor e roteirista Adam Elliot parece que continua com a ótima mão que lhe rendeu o Oscar de curta de animação por Harvie Krumpet (assista neste link no Smellycat).
E como não gostar de um filme (seja animação ou não) que prima por detalhes e referências? Repare que quando o filme alcança os anos 80/90, tem um moleque em Nova York vestindo uma camiseta com os dizeres "Save Ferris". Então, como não curtir?
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete e site oficial de Mary e Max (em inglês).
GOSTEI DA HISTÓRIA.
ResponderExcluirah, eu quero ver...
ResponderExcluiradoro desenho animação e bonecos.