Tomboy pode se referir a uma gíria que designa aquelas meninas com jeito moleque, sapeca. Também pode ser aquela menina com jeito e/ou aparência de menino. E agora, o termo também pode se referir ao filme da diretora Céline Sciamma, Tomboy, um sensível filme que aborda de maneira suave o tema da identidade sexual das crianças.
Nesse sentido, é impossível não lembrar de outro filme, também francês, o Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma vie en rose), que trata do mesmo tema, mas de maneira mais surreal e com toques dramáticos e cômicos mais acentuados. Tomboy é mais realista, deixando de lado clichês de filmes sobre orientação/gênero sexual, com um certo ar de autobiografia (que a diretora e também autora, nega, apesar de reconhecer que algumas - mas não todas - encontram ressonância em sua vida). Entretanto, apesar deste realismo, algumas partes forçadas ou mesmo extremamente simplificadas, como a aceitação por parte dos pais da personagem principal (ou talvez os franceses sejam realmente muito mais liberais do que eu imagino).
Tomboy nos traz como protagonista Laure (Zoé Héran), uma menina de dez anos que acabou de se mudar para uma nova vizinhança. Entretanto, seu visual com os cabelos curtos, roupas neutras (bermudas e camisetas), e seus gostos denunciam que a menina é pouco feminina, o que é bem acentuado na apresentação da personagem (logo no plano inicial, quando ela e o pai dirigem, ou quando a mãe lhe apresenta o quarto que fora pintado de azul, como Laure gostaria). Ao travar contato com outras crianças da vizinhança, Laure se apresenta como Mickael, se passando por menino. Algo que é perfeitamente possível, diga-se de passagem, já que até certa idade, meninos e meninas são fisicamente muito semelhantes, mudando apenas as genitais e o que a cultura lhes cobre.
Laure/Mickael se entrosa com os seus novos colegas, passando até a imitá-los (tirando a camiseta no futebol e cuspindo como moleque). Entretanto, mesmo se passando por um dos meninos, Lisa (Jeanne Disson) consegue ver algo diferente nele(a) e os dois começam um namorico infantil. Mas como a maioria das mentiras, a de Laure também tem os dias contados. E o que acontecerá então?
Tomboy trata do tema orientação/identidade sexual de maneira bem interessante. Se você já leu até aqui, desculpe, mas provavelmente estraguei uma boa surpresa que você poderia ter se assistisse o filme sem ter lido nada sobre ele e nem visto o trailer. Mas também é provável que se você leu até aqui, iria ler em outro lugar a sinopse ou ver o trailer de qualquer jeito, então, retiro as minhas desculpas. Mas voltando ao filme, Tomboy apresenta a sua personagem principal de maneira excelente. Reparem que até a cena do banho, o espectador desavisado é levado a crer que a personagem é um menino (se não me engano, nem o nome verdadeiro dela é citado até então, ou até perto dessa cena). SPOILER ATÉ O FINAL DO PARÁGRAFO. E então temos a corajosa cena do banho, em que Laure é filmada totalmente nua quando se levanta da banheira, praticamente dando um tapa na cara do espectador mostrando o seu gênero físico. Longe de ser uma cena gratuita (e que certamente alguns cabeças-oca irão acusar de pedófila), essa cena além de revelar, sem dúvida nenhuma o sexo da personagem, mostra como a orientação sexual pode estar desvinculada do físico, uma interpretação que certamente a diretora não deixou passar em branco.
O grande trunfo de Tomboy, porém, são os atores mirins. Zoé Héran está simplesmente espetacular como Laure. Jeanne Disson também se sai bem, mas quem rouba a cena em momentos de ternura e fofurice é Malonn Lévana, que interpreta Jeanne, a irmã mais nova, de 6 anos, de Laure. E tendo consciência de seu elenco espetacular, a diretora Céline Sciamma abusa dos planos fechados, focando nos personagens, sabendo que eles aguentarão a carga dramática exigida. Além disso, ela mantém a câmera baixa, na altura das crianças, fazendo com que saibamos que eles são o principal ali.
Se Tomboy tem um defeito, talvez seja o de ser raso em certos momentos. Assim como a já citada compreensão dos pais (quando a mãe descobre que Laure se passara por menino, chega a dizer que não se importava que ela "brincasse" com meninos, mas que era obrigação dela não deixar que ela mentisse), e o final com um ganchinho de "tudo ficará bem" (especialmente com Lisa), a reação das outras crianças quando descobrem que seu amigo Mickael era na verdade uma menina, são bem brandas até. Muito longe do que outra transsexual sofreu (já adulta, ok) em Meninos Não Choram (Boys Don't Cry). Definitivamente, se há algum preconceito na projeção do filme, essa se encontrará apenas na cabeça do espectador. E isso de certa forma, prejudica um pouco o filme. Afinal, no mundo em que eu vivo, existe preconceito. Nesse aspecto, apesar de ter adorado a pequena Mallon como Jeanne, "uma gracinha" como diria certa apresentadora, as cenas de fofura gratuita também ajudam ao filme ser raso. Apesar de que no caso da Jeanne, ela cumpre também outro papel, o da inocente que não vê nada de errado na irmã se passar por menino (apesar de usar esse fato como chantagem).
Enfim, Tomboy é um filme leve, que trata de descobertas e orientação/identidade sexual. Pode ser visto por um ângulo mais raso, mas dá margem a algumas boas interpretações e metáforas. Recomendo, nem que seja só para apreciar a fantástica atuação de Zoé Héran, que assim como Hilary Swank, quando não está em frente às câmeras do filme, está longe de ser um tomboy.
Trailer:
gostei do tema, parece ser interessante.
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