Quarta-feira passada sai um pouco mais cedo do trabalho pra conseguir ver a sessão de cinema das 5 e pouco, do filme Antes que o Mundo Acabe, baseado no livro de mesmo nome, de Marcelo Carneiro da Cunha. Foi a segunda vez, nestes muitos anos indo ao cinema, que assisti a um filme sozinho, ou seja, era o único espectador na sala. Apesar de não gostar de salas lotadas, uma sala vazia também não é tão confortável assim. Fica uma sensação (momentânea) de solidão e/ou deslocamento, coisas que o personagem principal de Antes que o Mundo Acabe conhece bem.
A história se passa numa cidadezinha de Pedra Grande no interior do Rio Grande do Sul, e acompanha o amadurecimento de Daniel (Pedro Tergolina), um adolescente confuso do interior. Neste sentido, é impossível não traçar um paralelo com outro filme nacional recente, As Melhores Coisas do Mundo, filme que também retrata a passagem da adolescência e o entrar no mundo adulto. Entretanto, se As Melhores Coisas do Mundo é essencialmente urbano e tecnologicamente atual (no sentido que retrata fielmente toda essa coisa de celular, internet e questões relacionadas), Antes que o Mundo Acabe é essencialmente interiorano, onde o tempo parece que passa bem mais devagar. E isso eu posso dizer com propriedade, pois morei muitos anos numa cidadezinha do interior do Paraná, onde quase todo mundo usava bicicleta para se locomover, como na cidade do filme.
Mas voltando à história do filme, Daniel vive numa família bem ajustada, com sua mãe, um padrasto (que o criou desde pequeno, e por isso, o chama de pai) e sua meia-irmã mais nova, Maria Clara (Caroline Guedes, na melhor interpretação entre os jovens do filme), e que também nos serve de narradora em vários momentos, como na abertura e no encerramento do filme.
Entretanto, a vidinha tranquila de Daniel começa a mudar quando sua namorada Mim (apelido de Jasmim, interpretada por Bianca Menti) pede "um tempo" pra ele. Mas isso não é todo o problema que Daniel precisa lidar, pois Mim parece estar mesmo é a fim do melhor amigo de Daniel, Lucas (Eduardo Cardoso). Tendo que lidar com esses sentimentos de amor, dor de cotovelo e traição, Daniel ainda se confronta com a questão de quem é, quando começa a receber cartas de seu pai biológico (de mesmo nome). Nelas, o Daniel pai, sofrendo de malária na Tailândia, começa a enviar fotos (ele é fotógrafo) e a dialogar meio que unilateralmente com o filho, buscando no fundo, uma própria redenção sua. No começo reticente, logo Daniel filho se rende à curiosidade de saber suas próprias origens. E, a partir deste cenário, a trama se desenrola.
O filme tem umas sacadas visuais muito boas. O paralelo entre o interior em Pedra Branca e o interior da Tailândia é feito de maneira orgânica, tanto na cena que inicia o filme, em que planos na Tailândia e em Pedra Branca são intercalados, mas tendo em comum o cenário rural e os personagens se dirigindo ao destino de bicicleta, quanto na cena em que o pai de Daniel grava um vídeo explicando suas decisões para o filho, que intercalando com cenas em que a mãe de Daniel também conta a história, de maneira que as duas narrações acabam se complementando.
Outra cena que tem uma solução visual genial é em uma parte quando Daniel senta na frente do computador e começa a escrever para o pai. É um único plano, em que a câmera se coloca atrás do vidro do monitor. Assim, vemos o rosto de Daniel, que está no quarto com as luzes apagadas, iluminado pela luz do monitor, e ao mesmo tempo, vemos o que ele está escrevendo. O fato das letras aparecerem ao contrário (já que a câmera está atrás do monitor) não interfere na leitura, além do que, o que ele escreve é pouco, e mais significativo é como ele escreve.
Outro detalhe visual que achei interessante foi o uso das fotos do pai de Daniel na composição das cenas do filme. Tanto nas cenas em que a câmera do filme passeia pelos cenários e as fotos se sobrepõem à imagem do fundo, criando um quadro imóvel enquanto a paisagem atrás continua se movendo (por causa do movimento da câmera), quanto na cena em que uma sequência de fotos se torna a própria filmagem. Além disso, é muito interessante quando Daniel monta a imagem de seu pai, a partir de várias fotos dele, de diferentes posições/ângulos. Uma metáfora excelente para expressar quem somos (porque todos nós somos muitos, somos um pra cada pessoa que nos conhece, somos diversas facetas), e também para expressar como vamos conhecer alguém (um pouco de cada vez, uma faceta a cada dia).
E falando em metáforas, o roteiro (por Paulo Halm, Ana Luiza Azevedo, Jorge Furtado e Giba Assis Brasil) é cheio delas. Infelizmente, algumas não tão boas assim. As várias cenas entre Maria Clara e uma vizinha, tanto no que diz respeito a um santo numa espécie de altar, quanto aos periquitos na gaiola, procuram traçar um paralelo entre uma prisão e a vida de Daniel, preso na pequena cidade. Se a ideia parece boa no papel (eu, por exemplo, achei ela genial quando a acabei de escrever aí em cima), no filme ela acaba parecendo muito deslocada, por não ter nenhuma ligação direta entre o personagem e as cenas.
A atuação dos personagens principais (Daniel, Mim e Lucas) é um pouco fraca. No começo, chega até a incomodar um pouco o estilo pesado, pouco fluido com que eles atuam. A exceção é quando a diretora Ana Luiza Azevedo consegue captar com a câmera alguns gestos mais espontâneos, como em algumas cenas da viagem a Porto Alegre, ou em alguns momentos de emoção mais exagerada de Daniel, como quando ele sente raiva. Mas eu já citei e falo de novo, bom mesmo é a atuação da pequenina Caroline Guedes, que rouba as cenas em que aparece. Ah! sim, também é bom destacar que, apesar do filme ser totalmente gaúcho (produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre), o pessoal maneira no sotaque. Ponto positivo.
Enfim, o filme no geral tem um texto muito bom, leve e divertido, que se perde em alguns momentos, numa espécie de pretensão exagerada. Não precisava. Tendo excelentes sacadas visuais, que compensam totalmente as interpretações um pouco "quadradas" dos protagonistas, Antes que o Mundo Acabe é um filme de descobertas e amadurecimento. Coisa que todo mundo (um pouco mais velho, como este senhor que vos escreve) passou, ou então, irá passar. De qualquer maneira, aquela sensação de deslocamento que todos sentimos, até nos acharmos e o nosso lugar, um dia também passa.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete, site oficial e blog oficial (muito legal, com videos de making-of, etc.), do filme.
P.S. Se você não mora em RS ou SC, hoje, você ainda não vai conseguir ver o filme, porque só estreou nestes dois estados.
achei a história interessante mas estava com receio de assistir, justamente por conta do sotaque... fiquei imaginando um troço carregado, bem do interior do RS e já ia desistindo qndo vc tocou no assunto. mas ainda não vi chamadas desse filme por aqui, vou procurar.
ResponderExcluirSentimental, como eu disse no finalzinho, o filme só anda passando aqui nos dois estados do sul, SC e RS.
ResponderExcluirDeve estrear em outras cidades, mais a frente.
sorry, eu não li o 'PS'.
ResponderExcluirme animei pra assistir pq foi produzido no sul... com sotaque daqui e não aquela coisa paulista monga.
ResponderExcluirtem alguma gata no filme??
Não.
ResponderExcluirÉ ótimo assistir filmes com sotaque gaúcho! As palavras são pronunciadas certas... Não falam chiando ou botando acento onde não tem hehe
ResponderExcluirTo louco pra assistir esse filme!!!