Sonhos Roubados, filme brasileiro da diretora Sandra Werneck, é um daqueles filmes cujo nome não se enquadra com a história. Neste caso, o problema é que realmente, não temos nenhum sonho roubado. Temos muitos sonhos sim, mas dizer que foram roubados ou não, entra numa discussão filosófica e sociológica que um post apenas não seria o suficiente. Mas enfim, dito isso, saiba que o filme é muito bom.
Os planos logo na abertura definem o ambiente em que a história se passa: enquanto passeia de bicicleta, a personagem mostra uma favela do Rio de Janeiro. Já numa cena seguinte, fica estabelecida outra característica, a pobreza (não confunda com miséria), ao mostrar a mesma personagem chegando em casa e abrindo a porta da geladeira (quase vazia). Essa personagem é Jéssica (Nanda Costa), e é uma das três amigas que são protagonistas deste filme.
Jéssica é uma jovem adolescente e já mãe de uma menina. Mora com o avô meio doente (Nelson Xavier, numa participação breve, mas eficiente) numa casa/oficina de bicicleta, e vive brigando com o pai da sua filha, que mora com a mãe dele. Já Daiane (Amanda Diniz) é a mais nova das amigas, com apenas 14 anos. Rejeitada pelo pai (Ângelo Antônio), que não a reconhece como filha e a vê apenas como um estorvo sempre pedindo atenção, Daiane mora com os tios, que mantém com ela uma relação dúbia (especialmente seu tio, vivido por Daniel Dantas). Para completar o trio de amigas, temos Sabrina (Kika Farias), que tem o menor desenvolvimento familiar das três (sua mãe, que a expulsou de casa, é apenas citada, por exemplo), mas uma história não menos interessante.
Sonhos Roubados não tem uma trama propriamente dita, apenas acompanhamos a vida destas três adolescentes por mais de um ano (apesar da passagem de tempo não ser explícita, vemos alguns eventos que a indicam, como as festas de aniversário de Daiane de 14 anos e depois o de 15 anos). Entretanto, isso não deixa o filme desinteressante, pois a vida das três é cheia de dramas.
Jovens e sem muito dinheiro, as três vêem a prostituição como uma forma natural de complementar a renda, de arranjar uma graninha a mais. Aliás, na visão delas, o que elas fazem nem mesmo é merecedor da alcunha de prostituição, como nota-se quando Jéssica é chamada de puta e se revolta dizendo que não é, mesmo reconhecendo que sai com homens por dinheiro. Essa visão, que provavelmente Gabriela Leite discordaria, parece ser compartilhada pela diretora Werneck (que é também uma das roteiristas), quando prefere não entrar em discussões mais profundas acerca do assunto. Por exemplo, tudo o que vemos do "lado ruim" da profissão é mostrado apenas de leve e brevemente, como a discriminação que Jéssica sofre ao procurar um órgão do governo, ou na cena em que ela sofre violência (mostrada de forma não explícita, eu diria até um pouco amenizada).
Talvez o objetivo da diretora tenha sido realmente o de não de deixar Sonhos Roubados pesado. Porque apesar de mostrar diversas histórias, vividas por cada uma das amigas, com temas pesados (abuso e pedofilia, gravidez adolescente, etc), o filme consegue ser uma leveza ímpar. As histórias têm sim temas pesados, mas ao mostrá-las do ponto de vista das garotas adolescentes, de maneira bastante honesta e sem pieguice, o filme escapa da armadilha que poderia transformá-lo num dramalhão-favela-pobre-e-sem-futuro, tão comum por aqui. Ajuda também o fato de que adolescentes sempre têm uma visão mais otimista do mundo, talvez por não terem "apanhado" do destino o suficiente ainda.
E se isso tudo soa verossímil, é porque a atuação das três protagonistas está excelente. Interpretadas por três jovens atrizes ainda sem muito destaque (apesar de não serem novatas), as três dividem várias cenas com atores já consagrados, como Nelson Xavier, Daniel Dantas (já citados) e Marieta Severo (que faz um papel bastante importante para o arco de Daiane). Outro destaque vai para o estreante nas telonas Mv Bill, que ao lado de Nanda Costa, entrega cenas dignas de veteranos na atuação.
Se Sonhos Roubados tem um defeito, talvez seja o de não entregar nada realmente novo a um espectador mais atento. Apesar das histórias dramáticas e do enfoque honesto, as histórias contadas são as mesmas que vemos e ouvimos (se estivermos prestando atenção), todos os dias, por aí. Isso pode, além de deixar o filme um tanto óbvio, por isso mesmo, deixá-lo arrastado em certos momentos.
Enfim, Sonhos Roubados mostra de maneira bastante honesta e com bastante sensibilidade, um retrato comum a várias meninas pobres por aí. Entretanto, ao contrário de personagens de filmes como Anjos do Sol, as protagonistas Jéssica, Daiane e Sabrina puderam sim, escolher o que fazer com suas vidas. Por isso, eu diria que em vez de "roubados", tiveram seus sonhos perdidos. Ou ainda, se você for otimista e esperançoso, talvez apenas adiados. Porque o filme termina, mas as histórias das meninas continuam.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete e site oficial do filme Sonhos Roubados (que eu recomendo, especialmente as entrevistas com as atrizes e a diretora).
P.S. O filme é baseado no livro As Meninas da Esquina, de Eliane Trindade. Pretendo lê-lo em breve.
Eu não sou nacionalista, acho isso até uma babaquice em um país como o Brasil, mas a minha preferência em filmes é nacional em música 85% nacional tb. Adorei a indicação!
ResponderExcluirVocê já viu é proibido proibir?
muito bom tb!
Esse ainda não vi não.
ResponderExcluiresse é um filme que quero ver, mas minha vontade de assisti-lo não fará eu pagar ingresso.. vou recorrer a pirataria.
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