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2015-11-04

'Empresa piorou após viúva assumir o comando' - by Max Gehringer

Transcrição do comentário do Max Gehringer para a rádio CBN, do dia 04/11/2015, com um ouvinte que trabalha em uma empresa que piorou muito depois que a viúva do dono assumiu a direção da empresa.

Áudio original disponível no site da CBN. E se você quiser ler os comentários anteriores do Max Gehringer, publicados aqui, basta clicar neste link.

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'Empresa piorou após viúva assumir o comando'

isabelita peron

Um ouvinte escreve: "Trabalho em uma empresa que vinha bem e sem problemas até o dono falecer. Quem assumiu a direção foi a viúva dele, que nunca trabalhou, não tem nenhum conhecimento sobre o negócio, mas mesmo assim decidiu que tinha condições de dirigir a empresa. Resultado: perdemos o foco, as decisões se tornaram difíceis e vagarosas, apareceram os tais poderes paralelos dentro da empresa, os resultados pioraram e eu não sei se fico ou se saio. O que você teria a me dizer?"

Bom, que na Argentina isso até tem um nome: Síndrome de Isabelita. Quando o ditador Perón, que havia sido apeado do poder, retornou a Argentina no começo da década de 1970 e se candidatou a presidente, ele colocou como vice de sua chapa, a própria esposa, Isabelita. Que assim como a viúva aí de sua empresa, não tinha nenhuma condição de governar um país.

Perón venceu a eleição e tudo poderia ter dado certo, se ele não tivesse morrido no meio do mandato. O resultado foi o caos. Isabelita assumiu, foi teleguiada por ministros que tinham suas próprias agendas e interesses, a inflação explodiu e a crise política se tornou insustentável. Como resultado, um golpe militar derrubou Isabelita e implantou uma das mais sangrentas ditaduras da história da América do Sul.

No caso aí da sua empresa, a situação é proporcionalmente bem menor, mas o desfecho tem tudo para ser igualmente ruim. Pelo sim, pelo não, eu sugiro que você comece, com a devida calma, a procurar outro emprego, antes que os inevitáveis boatos no mercado manchem o seu currículo.

Max Gehringer, para CBN.

2011-12-21

Filme: Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital

O filme Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital (ou simplesmente Medianeras no original) leva o nome da capital argentina no subtítulo, mas poderia se passar em qualquer cidade grande, sem grandes perdas. O filme argentino é uma comédia romântica com toques de drama e de filosofia (em alguns momentos, batida, mas interessante no geral), que escapa do estereótipo já desgastado de comédias românticas, sobretudo as americanas. É um filme leve e divertidíssimo, que nem por isso, agride a inteligência de um espectador mais crítico.

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital poster cartaz

Medianeras nos traz a história de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala), que moram em quitinetes em prédios quase vizinhos, acabam passando um pelo outro na rua, mas sem nunca se notarem. Martín é designer de sites, sofre de fobias (e se trata com um psiquiatra), é meio isolado, vive com um cachorro (deixado para trás pela ex-namorada) e é nerd. Muitas, muitas referências nerds espalhadas, desde o papel de parede do computador (com o Astro Boy), até outras mais escancaradas, por exemplo a Star Wars, como a brincadeira com um sabre de luz e um cartaz com um "que a força esteja com você" (genial e ironicamente, enfocada quando acontece um apagão). Mariana se formou como arquiteta, mas trabalha decorando vitrines de lojas de roupas. Recém-saída de um relacionamento, ela ainda está aprendendo a passar o dia sozinha, como ela mesma diz em certa parte do filme. Entretanto, se sente solitária, chegando a usar um manequim para apaziguar a carência (e esse uso se faz tanto no sentimental - ela deixa escrito um 'como foi o seu dia' no manequim - quanto em outros sentidos, numa cena que é tragicômica).

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital Pilar López de Ayala Javier Drolas

Sendo uma comédia romântica, não é preciso enfatizar que Martín e Mariana ficarão juntos no final, e que, como filme leve e romântico, os dois foram feitos um para o outro, algo que o diretor e roteirista Gustavo Taretto mostra ora de maneira escancarada (como quando os dois se cruzam e é desenhado um coração formado pelos dois, ou quando Mariana filosofa que ela imagina que suas vitrines sejam uma extensão, ou parte, dela, e que se alguém para e olha interessado para a vitrine, de certa maneira está olhando para ela, e logo depois que ela fala isso, Martin passa em frente e se detém para olhar interessado a vitrine), ora de maneira mais sutil, especialmente quando a ótima montagem mostra cenas de um e de outro quase que se complementando.

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital Pilar López de Ayala Javier Drolas

É interessante notar que Medianeras não faz parte daquele imenso grupo de comédias românticas que seguem o padrão: "mocinho conhece mocinha, acontecem confusões e piadinhas, algo ameaça o casal de ficar junto, mas no final, o amor prevalece". Sim, em Medianeras o amor também prevalece no final, mas as jornadas dos dois personagens só se interpõem no final do filme, algo que meio que me lembrou o clássico romântico-para-mulheres (e que eu também gosto, afinal, tem Tom Hanks e Meg Ryan), Sintonia de Amor (ou Sleepless in Seattle), cujo plano em que os dois realmente contracenam é praticamente o clímax do filme. Medianeras não é tão radical assim, mas o foco de boa parte do filme é nas trajetórias individuais de cada personagem: encontros e desencontros amorosos, a solidão, a cidade e eles mesmos.

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital Pilar López de Ayala Javier Drolas

As Medianeras do título são as laterais dos prédios em Buenos Aires, que segundo a legislação local, não poderiam ter janelas. Ou seja, janelas, só na parte da frente ou na de trás dos prédios, o que deixa alguns moradores um tanto quanto sufocados. E esse sufoco é o que dita (metaforicamente) a vida de ambos os personagens, até que cada um deles resolve abrir uma janela por conta própria (e que rende uma cena ótima, devido ao posicionamento das janelas, bem em espaços publicitários, indicando uma "mensagem do destino", por assim dizer). Ainda nesse sentido, vale destacar também a performance dos dois atores principais, Javier Drolas e Pilar López de Ayala, que aparentam estar muito a vontade nos seus papéis, alternando os momentos das pequenas maluquices (que cada um de nós também tem e que sempre rendem momentos engraçados), com os momentos mais sufocantes (em que o drama é maior).

Com uma bela fotografia que retrata uma Buenos Aires cheia de contradições (como no início do filme, em que edifícios de diferentes estilos são mostrados lado a lado, como o moderno com o clássico, ou o grande com o pequeno), é inegável o papel que a arquitetura tem em Medianeras (chegando ao ponto de Martin, no início do filme, em seu discurso filosófico-depressivo culpar as construções pequenas e abafadas pelos seus males, ou então o fato de Mariana ser arquiteta).

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital Pilar López de Ayala Javier Drolas

Com um texto leve, divertido, mas também intelectualmente interessante, Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital consegue ser sério sem ser sisudo, e engraçado sem ser bobo. Não se aprofunda realmente em assuntos espinhosos, como a crítica ao mundo moderno (e as relações cada vez mais virtuais e virtualizadas) ou uma análise da solidão nos centros urbanos, ou ainda uma crítica à urbanização sem controle, mas mesmo assim, acha espaço para encaixar cada um desses assuntos organicamente na narrativa, seja falando de como a cidade deu as costas ao seu rio, seja dizendo que encontros são como lanches de fast-food (ou seja, são melhores nas fotos), seja mostrando Mariana apagando fotos do passado e desejando que pessoas funcionassem tão bem quanto computadores (algo que me remete a Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças). Isso pode até ser usado para criticar Medianeras, essa falta de aprofundamento em algumas questões. Entretanto, vejo isso como um bônus, pois o que realmente importa, ou seja, os personagens e seus conflitos, estão bem caracterizados e desenvolvidos.

filme medianeras - buenos aires na era do amor digital Pilar López de Ayala Javier Drolas

Enfim, Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital é um excelente filme. Aliás, mais um ótimo exemplar vindo dos nossos vizinhos da América do Sul (e que desta vez não tem o excelente ator Ricardo Darín, figura tarimbada dos sucessos de lá). Medianeras consegue reunir drama, comédia e romance (e com toques nerd moderninhos, ainda por cima), numa mistura que dá certo e que diverte e emociona. Recomendadíssimo. Assista e quem sabe, não acaba encontrando o seu Wally perdido na cidade?

Trailer:



P.S. Destaque ainda para duas ótimas canções - americanas - que fazem parte de Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital. A primeira, True Love Will Find You in the End é a que está no trailer acima. E a segunda é a de um vídeo que Mariana e Martin fizeram (que rola nos créditos, mas que como você sabe que os dois terminam juntos, não dá pra dizer que é spoiler), que mostra os dois juntos fazendo um lip dub de Ain't no Mountain High Enough. Veja neste link. (Se o usuário do youtube fosse o mesmo que aparece no filme, seria um epic win pro filme.)

P.S.2 Que linda essa Pilar López de Ayala, que interpreta a Mariana, hein?

2011-10-24

Filme: Abutres

Tem filmes que a gente escolhe pela sinopse, outros pelo trailer, outros ainda pelos envolvidos no filme, como um diretor ou um ator. Frequentemente eu uso esse último critério, mesmo que às vezes eles me decepcionem (como o recente trabalho de Tom Hanks em Larry Crowne). Entretanto, até agora este não tem sido o caso de Ricardo Darín, cujos filmes anteriores que assisti (Nove Rainhas e o oscarizado O Segredo dos Seus Olhos) me encantaram. Abutres (Carancho, no original) não é tão bom quanto os dois filmes citados do ator, mas ainda assim é ótimo.

filme abutres ricardo darín martina gusman poster cartaz

Abutres, as aves, não são animais dos mais populares. Se alimentando de carcaças e outros animais moribundos, essas aves são o perfeito retrato de uma indústria que floresce na Argentina: a dos seguros e indenizações sobre vítimas de acidentes de trânsito. Advogados sem muito escrúpulos, "porta-de-hospital", ficam de olho em vítimas de acidentes (ou suas famílias, no caso de acidentes fatais) em busca de um processo que renderá um bom dinheiro, mas repassando-lhes muito pouco do dinheiro recebido (especialmente no caso de acidentados mais humildes sem instrução).

filme abutres ricardo darín martina gusman

Neste cenário, conhecemos Sosa (Darín), um advogado que está tentando recuperar a sua licença, e que neste meio tempo trabalha para uma dessas firmas de advogados-golpistas. Seu caminho acaba se cruzando com o de Luján (Martina Gusman), uma paramédica que trabalha na emergência indo na ambulância em busca dos acidentados, e que ao mesmo tempo tenta concluir a sua residência. Esses dois estranhos, que convivem diretamente com esse mundo de acidentes e máfia de indenizações, acabam se encontrando e se apaixonando. E quando Sosa tenta deixar para trás esse mundo mafioso da indústria de acidentes e indenizações, as consequências afetarão não só ele, como também Luján.

filme abutres ricardo darín martina gusman

Filmado de maneira que muitas vezes lembra um documentário, com uma câmera nervosa na mão, Abutres usa muitos planos fechados, focando nos seus dois personagens principais. Isso se revela acertado, uma vez que a atuação tanto de Darín quanto de Gusman (linda aliás), são excelentes e carregam o filme.

filme abutres ricardo darín martina gusman

Apesar de ótimo, o filme Abutres tem alguns defeitos, como algumas partes mal acabadas do roteiro. O problema de Luján com drogas, por exemplo, ao mesmo tempo em que tem um ponto positivo, que é o de deixar a personagem mais humana, com falhas como todos nós, tem um lado negativo, ao não ser desenvolvido melhor, soando meio falso. Assim como o rápido envolvimento entre Luján e Sosa, que também acaba soando superficial no início (apesar dos mais românticos poderem argumentar que a paixão é assim mesmo, eu diria que se essa paixão houve, não foi bem caracterizada no filme).

Com um plano final espetacular (apesar de um tanto previsível), Abutres, dirigido por Pablo Trapero (que também co-assina o roteiro), é um filme visceral, tanto visualmente quanto no desenvolvimento da sua história e de seus personagens. Sem dúvida, mais um filme para colocar na lista de memoráveis de Ricardo Darín.

Trailer:



Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.

2011-09-27

Filme: A Viagem de Lucia

O encontro de duas pessoas bem diferentes entre si, mas que acabam sendo importantes uma para a outra de variados modos, é um tema recorrente em filmes (e coincidentemente, recentemente falei sobre um desses filmes, Minhas Tardes com Margueritte). Aliás, coincidências parece ser um dos fetiches de Stefano Pasetto, diretor e co-roteirista da produção argentino/italiana A Viagem de Lucia (ou no original, Il richiamo).

filme a viagem de lucia poster cartaz

Como o título brasileiro sugere, o filme é protagonizado por Lucia (Sandra Ceccarelli), apesar de não podermos dizer que a outra personagem, Lea (Francesca Inaudi), seja coadjuvante. Bem, Lucia é uma mulher na meia idade que trabalha como aeromoça e é casada com um médico. Apesar disso, Lucia sofre frequentemente com a saúde, até mesmo impossibilitando o sonho de ser mãe. Angustiada e se sentindo infeliz e pressionada, Lucia descarrega parte de seu fardo em folhas de um caderno, em que escreve alguma coisa e imediatamente rasga a folha, amassa e joga. Depois de um aborto espontâneo, Lucia volta a um antigo trabalho, de professora de piano.

E é quando ela conhece Lea (Francesca Inaudi), uma jovem aberta, independente, mas que é carente pela figura paterna (que lhe dá migalhas de atenção a cada telefonema espaçado, que ela espera com ansiedade), e que trabalha num matadouro de frangos (e que por isso, literalmente cheira a galinha), mas espera ser chamada para trabalhar com animais na Patagônia. E é quando isso acontece que Lucia se entrega a paixão por Lea, protagonizando uma bela cena de sexo lésbico. Não uma cena à la Hollywood, mas uma cena mais real, sem música de fundo, sem posições de câmera (e de corpos) parecendo um ensaio padrão, mas com direito a imagens dos corpos das duas belas mulheres se entrelaçando sem photoshop, até mesmo mostrando uma eventual celulite (o que torna a cena ainda mais real, e portanto, mais excitante).

filme a viagem de lucia

A Viagem de Lucia é interessante (qualquer um que não achar um filme com cenas de sexo entre mulheres interessantes, por favor, ALT+F4), mas tem alguns problemas. Vários, eu diria. Talvez por se tratar apenas do segundo longa do diretor Pasetto, o filme sofre com uma enxurrada de boas ideias que não se concretizam, o que é típico de diretores iniciantes ou fora de forma (afoitos, parece que eles querem colocar todas as suas ótimas ideias no filme, mas por serem muitas, acabam não se desenvolvendo e ficando "largadas", o que não é bom). E talvez quem mais fora com isso seja a personagem Lea. Tomem como exemplo a mão com cicatrizes de queimadura dela, o choro copioso ao se lembrar da mãe (e nessa hora, acariciando a mão queimada), o que isso contribui para a história ou o desenvolvimento da personagem, já que não é explicado de forma satisfatória o porquê disso? Se alguém entendeu, me explique por favor. Fora que essa marca nas mãos parecia ser algo significativo, já que até mesmo nas primeiras aparições de Lea com seu namorado (tatuador) o diretor foca na mão dela. E aliás, falando no namorado inicial de Lea, qual o significado das cenas em que ele é mostrado com um gatinho? Seria o de enfatizar que ele estava solitário? De que ele não vive bem sozinho? E, o mais importante, seria isso relevante para o resto do filme? (A resposta é não). Outra personagem que surge na história e que parece que será importante, mas depois some, é a senhora na Patagônia que queria aprender piano. Depois de oferecer alugar um lugar decente para Lucia (e lhe ensinar uma lição sobre verdade*), a senhora simplesmente nunca mais dá as caras.

filme a viagem de lucia

Outro problema de A Viagem de Lucia são as pequenas coincidências que o roteiro coloca, como se estivesse dando a entender que haveria ali algo de destino, predestinação. Nada contra esse recurso, se bem usado, eu acho acho interessante. O problema é usar desse recurso, mas não assumir o filme como acreditando nisso. Foi por isso que eu disse, lá no primeiro parágrafo, que o diretor tinha um fetiche por coincidências. São várias as coincidências espalhadas pelo filme. Reparem no nome que Lea dá à melancia que carrega como se fosse um bebê: Lucia. Ou quando Lucia casualmente vê Lea em uma ótica experimentando óculos e por um momento, num espelho bipartido, foca-se o rosto de Lucia e Lea. Ou ainda quando o marido de Lucia brinca com um barquinho de papel, desconsolado, e depois logo corta para Lucia no barco na Patagônia, para onde ela foge (e empreende a sua viagem).

Com diálogos econômicos, A Viagem de Lucia não se preocupa em explicar tudo nos mínimos detalhes para o espectador. O filme tem alguns saltos temporais que se o espectador não estiver atento, vai se perguntar o que houve. Nada, entretanto, muito complexo.

filme a viagem de lucia

Sem dúvida, o ponto alto do filme são as interpretações de suas protagonistas. Com uma sensibilidade visível, Ceccarelli e Inaudi se entregam a suas personagens Lucia e Lea. O elenco de apoio também não faz feio, mas o show é realmente das duas mulheres, em especial, de Ceccarelli. Isso porque apesar do filme começar com um igual destaque para ambas as mulheres, da metade para o final, o foco se concentra em Lucia (o que eu considero um defeito, uma vez que sub-aproveitou-se o potencial da personagem Lea).

Apesar dos seus defeitos, A Viagem de Lucia tem ótimos momentos, como a velhinha de cabelo azul (e nem preciso citar a cena de amor entre Lucia e Lea, certo?). A fotografia do filme tem seus bons momentos, especialmente quando as personagens estão na Patagônia (apesar de alguns planos parecerem mais apropriados para o National Geographic). E não sei se foi um feliz simbolismo ou não (espero que tenha sido), mas reparem nos planos que estabelecem Buenos Aires como palco da primeira metade do filme. Em quase todos os planos, mostra-se o Obelisco de Buenos Aires. Interessante, não?**

Trailer:



* A lição é até bacana, e por isso reproduzo aqui. Numa conversa entre Lucia e Matilde (Hilda Bernard), a tal senhora, Lucia solta um "na verdade, bla bla...", no que a senhora lhe diz algo como "A verdade parece ser algo muito importante para você". E então, com aquele olhar de senhorinha que já viveu muito e está diante de uma jovem inexperiente, ela diz que "a verdade é só um instante e por isso, insignificante."

**O obelisco, é um símbolo fálico, por natureza. Um grande e ereto pênis apontando para o céu. E, no filme, as protagonistas depois de descobrirem o seu amor, fazem o que? Vão para Patagônia, deixando para trás os seus respectivos companheiros. Em Buenos Aires. É uma pena que eu não reparei se tem algo semelhante a isso nos planos na Patagônia, mas desta vez, simbolizando o feminino. (Robert Langdom feelings.)

filme a viagem de lucia

Para saber mais: crítica no Cineclick e no Cinema na Rede.

2010-06-09

Filme: O Segredo dos Seus Olhos

Ontem saí mais cedo do trabalho pra pegar uma sessão do filme argentino O Segredo dos Seus Olhos (ou originalmente El Secreto de Sus Ojos), ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. Merecidíssimo.

filme o segredo dos seus olhos poster cartaz
O filme é uma mistura de gêneros. Talvez o carro chefe deles seja o mistério policial, mas reduzi-lo a apenas isto, é simplificar demais. O Segredo dos Seus Olhos consegue misturar não apenas um mistério em clima noir (sem utilizar desta estética, entretanto), contado a partir de flashbacks, como também nos mostra os dramas dos personagens de maneira eloquente, sincera e sensível, sem nunca deixar o clima muito pesado, nem deixar a trama leviana. Um equilíbrio perfeito, eu diria.

filme o segredo dos seus olhos
A primeira cena de O Segredo dos Seus Olhos é emblemática. Sabemos mais ou menos onde estamos, numa estação de trem, mas quase tudo está embaçado, desfocado. Entretanto, mesmo com as imagens desfocadas, sabemos que se trata de um casal, que ali estamos vendo uma despedida, e é quase paupável o sentimento de perda ali. Mas quem são aquelas duas pessoas, e qual a história delas? Quando você souber a resposta, será porque já viveu boa parte da jornada que o filme lhe ofereceu, e acredite, estará muito satisfeito com ela.

filme o segredo dos seus olhos
Na trama, Benjamin Esposito (interpretado magistralmente por Ricardo Darín) é uma espécie de investigador/assistente/oficial do Tribunal de Justiça (ou algo parecido, se nem a estrutura judiciária brasileira eu sei direito, imagine a argentina), que acabou de se aposentar. E ele não pretende passar os seus dias de pantufas vendo televisão. O que ele deseja é escrever um livro, e o tema que ele escolhe é um de seus antigos casos no tribunal. Um caso que acontecera há 25 anos, o estupro seguido de morte da jovem e bela Liliana Coloto (Carla Quevedo).

Com um certo bloqueio de escritor, para começar a escrever, Benjamin procura a promotora Irene Hastings (interpretada por Soledad Villamil), antiga colega de Benjamin no tribunal. Ele, que não encontra o tom certo para começar a escrever a história, recebe o conselho de contá-la como ele se lembra. E nessas lembranças, tanto a história do crime quanto um importante momento da história do próprio Benjamin e de Irene, serão revelados.

filme o segredo dos seus olhos
O filme é quase todo um grande flashback, em que acompanhamos os personagens numa Buenos Aires de época politicamente turbulenta. O começo da história é o primeiro encontro de Benjamin e Irene, quando ela é apresentada no tribunal. Também conhecemos o amigo e subordinado de Benjamin, Pablo Sandoval (numa brilhante atuação de Guillermo Francella), que terá um importante papel na trama, além de ser um alívio cômico do roteiro. Aliás, Sandoval é um dos personagens mais memoráveis deste filme, lançando tiradas ótimas e tendo momentos hilários, de forma totalmente orgânica, sem recorrer ao pastelão (mesmo que a sua bebedeira seja parte da graça). Um exemplo é como ele atende aos telefones da sua repartição. Genial. Assim como seus momentos de seriedade, como quando ele tem um importante insight para a resolução do caso, dizendo mais ou menos o seguinte: "Um homem pode mudar de aparência, de emprego, etc., mas sabe o que ele não pode mudar? De paixão."

filme o segredo dos seus olhos
Outro personagem que ficamos conhecendo é o marido de Liliana, o jovem e apaixonado bancário Ricardo Morales (Pablo Rago). Ponderado, deseja que o culpado pela morte de Liliana sofra a punição que a justiça lhe prevê: prisão perpétua, afinal, como ele diz, a pena de morte seria muito rápido, até um prêmio que ele mesmo gostaria de receber, naquele momento de dor. Benjamin acaba criando um certo laço de amizade com Morales, depois de ver o amor que ele sentia pela esposa, e também de ver a obstinação deste. Obstinação que é a característica indelével de Morales, assim como uma paixão.

filme o segredo dos seus olhos
Tecnicamente, o filme é excelente. Desde as maquiagens (afinal, entre o presente e a época do assassinato são uns 25 anos), que deixaram os personagens totalmente críveis nas duas linhas de tempo, passando pela edição e câmeras do filme. E falando nisso, é impossível não citar o plano-sequência do estádio de futebol, simplesmente fantástico. É uma cena de mais ou menos uns 6 minutos, em que não há um corte (aparente) de câmera, e que começa com uma tomada aérea de um estádio de futebol lotado, desce para a arquibancada, e segue por dentro do estádio em uma cena de perseguição tão tensa quanto os melhores filmes de ação. No filme, os efeitos especiais não se notam (como deveria ser), mas vendo o making-of, vemos que o estádio lotado tinha na verdade apenas uns 200 figurantes, o resto foi a mesma tecnologia inventada por Peter Jackson pro terceiro Senhor dos Anéis. Certamente, com tudo o que o envolveu, esse plano-sequência deve ser lembrado por um bom tempo, como um ótimo exemplo da arte do cinema. Parabéns ao diretor Juan José Campanella.

filme o segredo dos seus olhos
Não só por isso, mas também pelo ótimo roteiro, assinado por Campanella e Eduardo Sacheri, autor do livro La pregunta de sus ojos, que inspirou o filme. É simplesmente um deleite ver como cada detalhe jogado na trama tem sua importância, culminando com uma espécie de poesia, onde detalhes abrem arcos e os fecham mais a frente na história. Outro deleite são todas as inúmeras referências ao "olhar", e como os olhos são importantíssimos durante toda a trama, aparecendo em tela tanto de maneira visual quanto textual.

Alguns exemplos de referências visuais aos olhos, que são bem visíveis (e até triviais, neste sentido): os olhos de pessoa apaixonada de Benjamin, logo no começo do filme, no primeiro encontro com Irene; e o olhar de decepção de Irene ao ver que um assunto que Benjamin queria tratar não era o que ela estava pensando; ou ainda o olhar do suspeito do assassinato, em duas ocasiões, nas fotos e quando já preso, dá uma bela encarada em Irene, o que é preponderante para ela acreditar no caso.

filme o segredo dos seus olhos
Outros momentos podem ser mais sutis, mas não deixam de evidenciar o olhar, como: no foco nos olhos, ainda abertos, do corpo de Liliana na cena do crime; ou o foco fechadíssimo da câmera na conversa entre Benjamin e Morales, numa das cenas finais do filme, em que quase tudo o que se vê são os olhos dos dois personagens. Fora, é claro, às referências textuais aos olhos, como quando Benjamin cita o olhar apaixonado de Morales.

E com tanta importância no olhar, O Segredo dos Seus Olhos poderia ser um filme totalmente diferente se não contasse com atuações esplendorosas. Ricardo Darín e Soledad Villamil conseguem expressar com um olhar, com um pequeno movimento, uma grande quantidade de emoção e informação, acerca do que seus personagens são ou do que estão pensando. Muito bom mesmo. Fora o já elogiado Guillermo Francella com seu Sandoval. E também não dá pra deixar de citar Pablo Rago como o marido da vítima e Javier Godino como o assassino, ótimos em seus papéis.

filme o segredo dos seus olhos
Dito (tudo) isso, fica claro que considero O Segredo dos Seus Olhos um filme nota dez. E se muita gente torce o nariz por premiações como o Oscar, é bom que diga-se que neste caso, a estatueta foi merecida e honrada. Aliás, dentre os oscarizados e concorrentes, mesmo adorando Bastardos Inglórios e achando que o prêmio ao Guerra ao Terror foi justo, creio que O Segredo dos Seus Olhos teria fôlego para disputar de igual para igual com estes filmes, qualquer prêmio. E talvez, até ganhar.

Trailer:



Para saber mais: crítica no Omelete e no Cinema em Cena, excelente. E site oficial de El Secreto de Sus Ojos (em espanhol).

P.S.1. No Brainstorm9 tem um vídeo com o making-of do plano-sequência que citei, do filme. Vale a pena ver se você assistiu o filme.

P.S.2. Sim, o final é surpreendente. Fazia tempo que eu não saía do cinema com aquele pensamento de "PQP!!! Filmaço!".