O filme Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital (ou simplesmente Medianeras no original) leva o nome da capital argentina no subtítulo, mas poderia se passar em qualquer cidade grande, sem grandes perdas. O filme argentino é uma comédia romântica com toques de drama e de filosofia (em alguns momentos, batida, mas interessante no geral), que escapa do estereótipo já desgastado de comédias românticas, sobretudo as americanas. É um filme leve e divertidíssimo, que nem por isso, agride a inteligência de um espectador mais crítico.
Medianeras nos traz a história de Martín (Javier Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala), que moram em quitinetes em prédios quase vizinhos, acabam passando um pelo outro na rua, mas sem nunca se notarem. Martín é designer de sites, sofre de fobias (e se trata com um psiquiatra), é meio isolado, vive com um cachorro (deixado para trás pela ex-namorada) e é nerd. Muitas, muitas referências nerds espalhadas, desde o papel de parede do computador (com o Astro Boy), até outras mais escancaradas, por exemplo a Star Wars, como a brincadeira com um sabre de luz e um cartaz com um "que a força esteja com você" (genial e ironicamente, enfocada quando acontece um apagão). Mariana se formou como arquiteta, mas trabalha decorando vitrines de lojas de roupas. Recém-saída de um relacionamento, ela ainda está aprendendo a passar o dia sozinha, como ela mesma diz em certa parte do filme. Entretanto, se sente solitária, chegando a usar um manequim para apaziguar a carência (e esse uso se faz tanto no sentimental - ela deixa escrito um 'como foi o seu dia' no manequim - quanto em outros sentidos, numa cena que é tragicômica).
Sendo uma comédia romântica, não é preciso enfatizar que Martín e Mariana ficarão juntos no final, e que, como filme leve e romântico, os dois foram feitos um para o outro, algo que o diretor e roteirista Gustavo Taretto mostra ora de maneira escancarada (como quando os dois se cruzam e é desenhado um coração formado pelos dois, ou quando Mariana filosofa que ela imagina que suas vitrines sejam uma extensão, ou parte, dela, e que se alguém para e olha interessado para a vitrine, de certa maneira está olhando para ela, e logo depois que ela fala isso, Martin passa em frente e se detém para olhar interessado a vitrine), ora de maneira mais sutil, especialmente quando a ótima montagem mostra cenas de um e de outro quase que se complementando.
É interessante notar que Medianeras não faz parte daquele imenso grupo de comédias românticas que seguem o padrão: "mocinho conhece mocinha, acontecem confusões e piadinhas, algo ameaça o casal de ficar junto, mas no final, o amor prevalece". Sim, em Medianeras o amor também prevalece no final, mas as jornadas dos dois personagens só se interpõem no final do filme, algo que meio que me lembrou o clássico romântico-para-mulheres (e que eu também gosto, afinal, tem Tom Hanks e Meg Ryan), Sintonia de Amor (ou Sleepless in Seattle), cujo plano em que os dois realmente contracenam é praticamente o clímax do filme. Medianeras não é tão radical assim, mas o foco de boa parte do filme é nas trajetórias individuais de cada personagem: encontros e desencontros amorosos, a solidão, a cidade e eles mesmos.
As Medianeras do título são as laterais dos prédios em Buenos Aires, que segundo a legislação local, não poderiam ter janelas. Ou seja, janelas, só na parte da frente ou na de trás dos prédios, o que deixa alguns moradores um tanto quanto sufocados. E esse sufoco é o que dita (metaforicamente) a vida de ambos os personagens, até que cada um deles resolve abrir uma janela por conta própria (e que rende uma cena ótima, devido ao posicionamento das janelas, bem em espaços publicitários, indicando uma "mensagem do destino", por assim dizer). Ainda nesse sentido, vale destacar também a performance dos dois atores principais, Javier Drolas e Pilar López de Ayala, que aparentam estar muito a vontade nos seus papéis, alternando os momentos das pequenas maluquices (que cada um de nós também tem e que sempre rendem momentos engraçados), com os momentos mais sufocantes (em que o drama é maior).
Com uma bela fotografia que retrata uma Buenos Aires cheia de contradições (como no início do filme, em que edifícios de diferentes estilos são mostrados lado a lado, como o moderno com o clássico, ou o grande com o pequeno), é inegável o papel que a arquitetura tem em Medianeras (chegando ao ponto de Martin, no início do filme, em seu discurso filosófico-depressivo culpar as construções pequenas e abafadas pelos seus males, ou então o fato de Mariana ser arquiteta).
Com um texto leve, divertido, mas também intelectualmente interessante, Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital consegue ser sério sem ser sisudo, e engraçado sem ser bobo. Não se aprofunda realmente em assuntos espinhosos, como a crítica ao mundo moderno (e as relações cada vez mais virtuais e virtualizadas) ou uma análise da solidão nos centros urbanos, ou ainda uma crítica à urbanização sem controle, mas mesmo assim, acha espaço para encaixar cada um desses assuntos organicamente na narrativa, seja falando de como a cidade deu as costas ao seu rio, seja dizendo que encontros são como lanches de fast-food (ou seja, são melhores nas fotos), seja mostrando Mariana apagando fotos do passado e desejando que pessoas funcionassem tão bem quanto computadores (algo que me remete a Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças). Isso pode até ser usado para criticar Medianeras, essa falta de aprofundamento em algumas questões. Entretanto, vejo isso como um bônus, pois o que realmente importa, ou seja, os personagens e seus conflitos, estão bem caracterizados e desenvolvidos.
Enfim, Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital é um excelente filme. Aliás, mais um ótimo exemplar vindo dos nossos vizinhos da América do Sul (e que desta vez não tem o excelente ator Ricardo Darín, figura tarimbada dos sucessos de lá). Medianeras consegue reunir drama, comédia e romance (e com toques nerd moderninhos, ainda por cima), numa mistura que dá certo e que diverte e emociona. Recomendadíssimo. Assista e quem sabe, não acaba encontrando o seu Wally perdido na cidade?
Trailer:
P.S. Destaque ainda para duas ótimas canções - americanas - que fazem parte de Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Digital. A primeira, True Love Will Find You in the End é a que está no trailer acima. E a segunda é a de um vídeo que Mariana e Martin fizeram (que rola nos créditos, mas que como você sabe que os dois terminam juntos, não dá pra dizer que é spoiler), que mostra os dois juntos fazendo um lip dub de Ain't no Mountain High Enough. Veja neste link. (Se o usuário do youtube fosse o mesmo que aparece no filme, seria um epic win pro filme.)
P.S.2 Que linda essa Pilar López de Ayala, que interpreta a Mariana, hein?
Um comentário:
Gostei, quero assistir.
aliás, os filmes argentinos tem me encantado bastante.
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