2011-05-03

Filme: A Antropóloga

Sabe aqueles trabalhos de escola, em que o grupo ou turma toda tem que fazer um vídeo pra apresentar (geralmente em uma feira ou festival)? Mesmo que hoje tenhamos alguns trabalhos excelentes como alguns lipdubs recentes colocados na internet, a imensa maioria desses trabalhos é sofrível, seja pela inexperiência dos envolvidos, seja pelo limitadíssimo orçamento, geralmente pelos dois motivos. Mas, mesmo sendo o resultado tosco, ele sem dúvida foi fruto de muito trabalho, e todos os envolvidos sentem grande orgulho de terem feito parte dele, ficando cegos para os problemas dele. De certa forma, ao ver o filme catarinense (assim anunciado com orgulho), A Antropóloga, senti como se estivesse vendo um trabalho escolar como descrevi: ruim, mas com ardorosos fãs e defensores (que assim o são por paixão, coisa irracional, note-se bem!).

filme catarinense a antropóloga poster cartaz

Rodado em Florianópolis, A Antropóloga talvez (e esse é um grande talvez) agrade aos nativos da ilha de Santa Catarina, sobretudo por levar à telona, coisas tão familiares a eles, como suas paisagens, costumes, lendas, crendices e o sotaque. Entretanto, quem procura um bom filme, independente da paixão por onde nasceu, não vai sentir a mesma afeição.

A Antropóloga do título é Malú (Larissa Bracher). Portuguesa, ela pesquisa sobre a cultura local de ervas medicinais nos lugares onde os imigrantes açorianos (habitantes de um arquipélago de Portugal, com uma cultura bem característica), se estabeleceram. Nessa sua pesquisa, ela vem parar em Florianópolis, onde se instala na Costa da Lagoa, um lugar onde o mato (ou se você for ecologicamente chato preferir, onde a natureza) é abundante e as pessoas vivem como se vivessem em vilas de muitos anos atrás. Neste fim de mundo, Malú aluga uma casa (com direito a uma vergonhosa cena em que ela arranca a placa de "aluga-se" como se estivesse num filme americano dos anos 80), ao lado da casa onde mora a menina Carolina (Rafaela Rocha de Barcelos), uma criança diagnosticada com câncer no cérebro (presumivelmente sem chance de cura, já que o pai dela - um médico - não a mantém no hospital). Entretanto, as crises que Carolina enfrenta melhoram quando a benzedeira da região Dona Ritinha (Sandra Ouriques) a trata com ervas e rezas. Malú se envolve cada vez mais com seus vizinhos e com Dona Ritinha, que a princípio ela entrevista sobre ervas, mas vai entrando cada vez mais no mundo sobrenatural da cultura local, que envolve as famosas bruxas da cidade, magia e até - pasmen! - lobisomens.

filme catarinense a antropóloga

A Antropóloga é um filme irregular. O filme começa como um filme de gênero, o do suspense sobrenatural mais sério, mas no final, ele se volta para o surreal, como bem ilustra uma das cenas finais, em que um barqueiro sobe aos céus em direção a lua. O desenvolvimento da história como um todo é tão ridícula, que talvez o diretor Zeca Nunes Pires tenha tomado consciência desse fato e decidido terminar o longa como um filme que brinca com o sobrenatural de forma leve e surreal. Entretanto, essa opção não se mostra muito acertada, destoando do resto da película e parecendo mais uma desculpa do diretor para o quão ridícula foi a condução da história até o momento. Tivesse sido feita essa opção desde o início, talvez (e esse é também um grande talvez) fosse melhor sucedido.

Mesmo quando A Antropóloga tenta criar um clima de suspense/terror sobrenatural, o filme deixa muito a desejar. A impressão é que voltamos aos anos 80. Além da trilha sonora instrumental que é a cara de filmes de terror dos anos 80 (estilo as milhares de continuações de Sexta-Feira 13), o diretor ainda nos brinda com diversas cenas em que a câmera emula o ponto de vista do "assassino". Sabe quando a câmera foca o personagem como se fosse a visão do assassino, estando o personagem dentro de casa e a câmera fora, filmando pela janela, ou com o personagem andando por uma trilha e a câmera atrás de algum mato "se escondendo"? Esse enquadramento, que é característico de filmes de terror dos anos 80 de filmes de assassino (lembram-se do Jason ou Michael Myers?), é também usado em A Antropóloga diversas vezes, sobretudo quando Malú caminha no mato (ok, ou natureza selvagem). Entretanto, se esse tipo de enquadramento serve para causar expectativa ou suspense (afinal, presume-se que o assassino esteja vendo a mocinha), dada a natureza da história, esse contexto se perde totalmente. Afinal, a bruxa má (o "assassino" do filme) não ataca ninguém, exceto a menina Carolina. Porém, mesmo esses "ataques" não causam medo, pois são apenas desmaios, como se a bruxa estivesse "sugando a alma" da menina, de maneira invisível. Com ataques assim, é fácil entender como somente uma benzedeira acreditaria em bruxas sugadoras de almas. Por isso, o roteiro faz com que Malú tenha outras experiências sobrenaturais para que ela se convença do misticismo e da magia, e que culmina com uma desfecho do porquê dela estar ali um tanto difícil de engolir, que envolve maldições e reencarnações.

filme catarinense a antropóloga

Definitivamente, o roteiro de A Antropóloga não é o seu forte. Além dos mistérios sobrenaturais serem muito mal conduzidos, os personagens são mal trabalhados. O pai de Carolina, por exemplo: apesar de ser médico e dizer não acreditar nessas magias, admite sem culpa nenhuma que as rezas da benzedeira fazem um bem muito grande a Carolina. Obviamente se contradizendo, o personagem até poderia ensaiar algo no sentido de sobrenatural x ciência, crença x ceticismo, mas a ele é relegado o papel de pai que corre quando a filha desmaia. Nem um eventual interesse romântico por Malú é desenvolvido (apesar de acontecer um flerte com o assunto, quando Carolina menciona como o pai olha para a casa de Malú). Ou tome como exemplo, ainda, a nora da benzedeira numa cena em que ela tem ciúmes de Malú. Uma única cena em que se demonstra uma possível linha, mas que é esquecida pelo resto do filme.

Além disso, o filme tem diversas cenas que não fazem sentido algum, a começar pela cena inicial, com uma grande explosão ou algo parecido. Outra cena desnecessária é quando a nora da benzedeira (que também trabalha tomando conta de Carolina) chega em casa e é "atacada" pelo marido sedento de sexo. Se a intenção era causar um suspense para depois apresentar o personagem, não funcionou. Outras cenas que são totalmente dispensáveis são as que envolvem os três góticos ou aspirantes a bruxos(as). São personagens introduzidos exclusivamente como alívio cômico (mas, infelizmente com pouquíssima graça), cujo único desenvolvimento se dá com o líder do trio, que inexplicavelmente se transforma no final em algo muito mais convencional. Na minha opinião, foram personagens mal trabalhados que apenas tentam fazer uma gracinha ou outra, mas que só servem para criarem uma linha paralela à história principal, linha esta que não acrescenta em nada.

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A Antropóloga não é um filme milionário, e por isso, limitações técnicas e orçamentárias são normais. Entretanto, se o diretor de fotografia consegue extrair boas imagens usando muita luz natural, e mesmo a falta de luz, como na cena em que sombras dançam à luz de fogueira no ritual de bruxas, ou nas cenas na floresta, que visualmente são bacanas, o diretor parece não saber como usar eficientemente a câmera. Além do já citado POV (ponto de vista) do "assassino", o diretor usa muita câmera na mão onde o plano exigiria algo mais suave. A câmera na mão dá um ar de ação, de pressa à cena, o que é o oposto do que se vê no enquadramento. Isso nota-se facilmente na sequência do encontro entre Malú e o velho Delano, onde a câmera na mão acaba tremendo a imagem (pouco, é verdade, mérito do cinegrafista). Esse ponto, entretanto, pode ter sido por causa do orçamento, uma vez que montar e levar o aparato em locação (e a locação é no meio do mato, ops, natureza selvagem), não é simples. De qualquer modo, é válido deixar o registro.

A fotografia não é o único ponto positivo de A Antropóloga. Apesar do elenco como um todo variar na qualidade da interpretação, pelo menos os protagonistas entregam boas atuações. Destaque para Larissa Bracher, que faz o que pode com sua personagem, apesar do roteiro, e da menina Rafaela Rocha de Barcelos, que se ainda não é nenhuma gênia atuando, parece que tem sim, um caminho bom a trilhar. Os depoimentos de idosos e anciãos, explicando parte da sua sabedoria milenar é outro ponto interessante por si só. Quero dizer que as tomadas dos depoimentos de "pessoas reais" são interessantes, e um documentário nesse estilo não seria nada mal. Entretanto, o ar documental dessas entrevistas inseridas no meio deste filme não ajudam no ritmo, bem como soam um tanto deslocadas. Isso acaba tirando um pouco o espectador de dentro do filme, ao mostrar algo muito real para em seguida colocá-lo de volta na ficção, até porque até a câmera e fotografia se alteram nessas cenas de entrevistas.

filme catarinense a antropóloga

Apesar de muito se dizer que A Antropóloga é um filme como Rio, no sentido de que vende uma imagem interessante da cidade para turistas, senti falta de uma certa "apadrinhagem". Sim, o filme abre com o tradicional plano mostrando o cartão postal da cidade, a ponte pênsil (que quer cair, mas não cai) Hercílio Luz. Sim, o cenário logo é deslocado para imagens da Costa da Lagoa, outro ponto belo da ilha (isso se você gostar de mato, natureza). Entretanto, faltou um ar mais didático no que concerne a algumas manifestações culturais locais, como a festa em que o velho Delano aparece pela segunda vez para Malú. Não seria uma desculpa esfarrapada do roteirista colocar alguém pra explicar a Malú todo o ritual e significado da festa, uma vez que ela é uma antropóloga, não é? Isso reforça o ar bairrista do filme, cujo foco está em mostrar as coisas da cidade, mas pra quem já é da cidade.

Enfim, A Antropóloga é um filme com muitos problemas. Desde o roteiro até a execução. Poderia ser melhor se fosse mais focado, e não uma mistura mal feita de suspense, terror, sobrenatural, drama e tentativas frustradas de comédia (aliás, risadas mesmo só involuntárias, de certas cenas de vergonha alheia pura, como a dancinha da bruxa). Pode ter sido um filme que tenha dado trabalho, um filme cujos realizadores colocaram muito esforço. Mas infelizmente, na vida real, isso nem sempre basta pra um bom produto final.

Trailer:



Para saber mais: blog oficial do filme e crítica no Clickfilmes.

9 comentários:

Anônimo disse...

esse filme eh uma bomba, como todo filme nacional, nota-se a forte influencia das novelas da globo sobre o pensamento dos criadores do filme. O Filme nao tem um Personagem pincipal. Tem varios "nucleos" como a novela, sendo o serio ( a antropologa) e comico (os wycas), etc. Nao tem coerencia de ponto de vista, as vezes a historia eh contada pela antroploga, as vezes do ponto de vista da "bruxa"... Nao tem narrativa nos planos, ficam mudando, tem um momento que no meio de uma conversa a antropologa "pula" pro sofa em meio segundo.... Cade a continuidade? A trilha sonora fica preenchendo o tempo todo com os instrumentos fazendo "glissando" em qualquer cena que tenta causar "medo"... Novelinha da record eh melhor que isso. ta loco

Anônimo disse...

Gostei do filme, pois dos três filmes brasileiros que estavam em propaganda antes do filme começar, deu para perceber que ele é superior. Inclusive alguns dos inúmeros filmes ruins mesmo sendo estrangeiros, como os poderosos filmes de Hollywood. Achei que 2 horas passaram rápido e surpreendeu a facilidade de colocar na tela um FILME. Ele impressionou, fez pensar, informou, fez refletir, houve boas tomadas e sobretudo divertiu, no sentido muito bom. Parabéns!

Letícia Weigert disse...

Acho que sua avaliação é bastante equivocada. O filme está na lista dos brasileiros que poderão concorrer ao Oscar em 2012. Na enquete promovida pelo portal Bol, está em primeiro lugar, superando o banalizado Tropa. Parabéns ao Zeca pelo cinema profissional que levou SC ao cenário nacional na produção de filmes.

Andarilho disse...

Vc achar que a minha avaliação é equivocada, ok, é a sua opinião.

Infelizmente, nem mesmo o Oscar hoje em dia é um bom avaliador do mérito de um filme. É sim um bom avaliador do lobby dele.

E sério, ainda existe portal Bol? Desculpa, mas... quem liga pro Bol hoje em dia?

Anônimo disse...

É um grande filme. Senti que você tem síndrome de vira-latas. Lamentável.

Andarilho disse...

Não é um grande filme. No máximo, sendo muito generoso, é medíocre.

E sinto que vc tem síndrome de down.

Anônimo disse...

É um filme fantástico que busca não somente o entretenimento, mas também passar a crença da cultura açoriana que continua viva no sul do país. Ai que falta faz pessoas capacitadas para fazerem críticas sobre filmes.

Andarilho disse...

Vc pode começar a fazer as suas próprias críticas então.

Vandinha disse...

Gostei muito do filme. Tem sim algumas cenas desnecessárias, como aquela da explosão na ilha dos Açores e também a cena em que o marido da moça agarra ela e tal.
No mais, achei um filme que mostra bem a cultura manézinha das benzendeiras, que é muito forte no interior da ilha e a obra de Frankilin Cascaes.
E muito legal também, o fato de não acontecer o romance entre a Antropóloga e o pai da menina, rompendo com esse vício de romantizar tudo.
Parabéns ao Zeca Pires.