Filmes cujos temas flertam com releituras da tradicional mitologia da Igreja católica, ainda mais com seres sobrenaturais como vampiros (os de verdade, não aqueles que brilham), têm um alto potencial para me agradar. O filme Padre (Priest, no original), nesse contexto, tinha uma alta probabilidade para me agradar. E me agradou um pouco, mas não a ponto de relevar seus (muitos) defeitos.
Baseado num manhwa coreano (manhwas são quadrinhos coreanos - seria isso tão redundante quanto falar em mangá japonês?), Padre se passa num mundo paralelo, onde vampiros sempre existiram, vivendo (e lutando) com a humanidade. Num cenário futurista pós-apocalíptico, a guerra entre vampiros e humanos dizimou o planeta, deixando-o quase todo desértico. A maioria dos humanos restantes vive em grandes cidades industriais, escuras pela fumaça da indústria e onde cinzas caem incessantemente. A guerra terminou quando a Igreja montou uma organização de guerreiros, verdadeiras armas humanas (ou não), chamados de padres. Os padres ganharam a guerra para a Igreja, destruindo a maioria dos vampiros, deixando apenas alguns em reservas controladas (como se fossem índios?). Finda a guerra, a Igreja temendo que esses fortes guerreiros se voltassem contra a própria estrutura ditatorial dela, desmonta a organização e os padres são destituídos de suas permissões, vivendo a margem da sociedade, crendo que os vampiros não mais são uma ameaça. O que, claro, não é verdade (senão, não teríamos um filme).
Neste cenário, o Padre protagonista, sem nome (interpretado por Paul Bettany), recebe a visita do xerife de um posto avançado, Hicks (Cam Gigandet), dizendo que não só vampiros atacaram uma casa, como também levaram a sobrinha do Padre, Lucy (a gatinha Lily Collins). Sem permissão da Igreja, que não mais reconhece a possível ameaça de vampiros, o Padre desafia seus superiores, nas figuras dos monsenhores interpretados por Christopher Plummer e Alan Dale, e parte em busca da menina raptada, ao lado de Hicks.
Padre tinha um bom potencial, mas o roteiro é bem fraco, mesmo considerando-se as lacunas deixadas propositalmente, talvez, para serem exploradas numa possível (mas agora uma tanta improvável) continuação. Por exemplo: os padres eram mais do que humanos normais super treinados? A "vocação" desperta neles (mencionada quando é dito sobre como o protagonista foi chamado para virar o Padre) seria um indício disso (como se fossem mutantes estilo X-men)? Seria por isso que o vilão do filme seria um vampiro especial? E se não fosse, por que a rainha dos vampiros (ah sim, os vampiros seguem um padrão de abelhas no filme, com colméias e uma rainha), não cria mais vampiros especiais (ou vampiros humanos, como é chamado no filme)? E quanto a questão dos monsenhores da Igreja, eram eles estúpidos apenas ou haveria uma intenção oculta em negar a continuidade da existência de vampiros atacando? São questões que o filme deixa em aberto, mas que poderia muito bem ter abordado.
Padre transita entre o filme de ação/aventura e de terror, mas sem ser realmente bom em nenhum dos dois gêneros. É fácil reparar que o filme usa recursos de filmes de terror, ao tentar induzir o espectador a algum suspense ou apreensão, especialmente quando não mostra o que acontece ao redor. Alguém já disse que o mais assustador é o que não se mostra ao público, mas o induz a imaginar (e um exemplo perfeito disso é o final de Se7en). Em Padre, esse artifício é bastante usado, seja na cena em que Lucy é raptada (quando ela se esconde no porão e ocorre uma luta dos pais dela com os vampiros acima, e a câmera foca a expressão de Lucy, entrecortada com a visão das tábuas de madeira e a pouca luz passando entre elas), seja na cena na reserva, em que o Padre cai lutando com um vampiro por um poço, ressurgindo depois de uns instantes de absoluto silêncio.
Entretanto, se no primeiro exemplo a cena até funciona (apesar do clichê), na segunda ela perde totalmente o sentido, uma vez que sabemos que o protagonista e herói não vai morrer, especialmente antes da metade do filme. Ainda sobre essa cena, ela acaba ilustrando outro defeito do filme, enquanto filme de ação: o corte nas cenas de ação. Como esta cena não funciona como terror (afinal, não gera suspense ou surpresa alguma), deveria funcionar como cena de ação (o que vinha acontecendo até então, com o Padre enfrentando alguns vampiros, com uma ação bem decente). Mas a ação para a fim de gerar um suposto suspense ao ver o Padre e o vampiro caírem no poço, suspense este que já disse que não funciona. Outro exemplo de uma cena de ação que teria um ótimo potencial, mas que é cortada, é a luta entre o vampiro vilão do filme (interpretado por Karl Urban) e os três Padres, que acaba mostrando apenas uma primeira luta.
Infelizmente, o filme conta com poucas cenas de ação um pouco mais longas (a luta na reserva, na colmeia e a luta final). São cenas bacanas, mas que não se desenvolvem tanto quanto deveriam, deixando a sensação de que elas sofreram cortes ou foram adaptadas para serem mais curtas. O diretor Scott Stewart até tem um bom olho para orquestrá-las, mas as limitações delas (talvez por razões orçamentárias) estraga a experiência.
Se Padre peca por um roteiro irregular e cenas de ação que muito prometem, mas pouco entregam (decepcionando um pouco assim), a direção de arte no geral é excelente. A ambientação é excelente, e a disparidade entre os cenários urbanos (a cidade sombria e industrial, com cinzas caindo e um clima futurista meio Blade Runner) e os cenários no deserto (que dão ao filme um tom de faroeste) é muito bem explorada (e a cena em que o Padre se distancia da cidade de moto, saindo da sombra da fumaça gerada pela cidade, além de importante para a história, é visualmente muito bacana). Além disso, o figurino também merece destaque, especialmente as roupas estilo de velho oeste americano.
Com atuações decentes (mas nada incrivelmente notável), Padre tem muitas ideias bacanas, mas pouco exploradas. A ditadura da Igreja, por exemplo, fica quase jogada na história, e a vampira rainha mal aparece (e aparece apenas numa penumbra). Fica a impressão de que o diretor Scott Stewart e o roteirista Cory Goodman fizeram o filme pensando em uma continuação (ou uma trilogia, como anda na moda). Infelizmente, a baixa arrecadação até agora não ajuda nesse quesito. O fato de ter sido adiado por várias vezes, por causa da conversão do filme para 3D também não ajudou. Aliás, o 3D é pouco notado, sendo mais visível apenas em alguns planos que já estão virando clássicos pra mostrar o efeito tridimensional, neste caso, os planos dentro da cidade com as cinzas caindo.
Enfim, no geral, Padre é um filme fraco, mas que até agrada numa tarde em que não se tem mais nada para ver. É, sobretudo, um filme que tinha grande potencial. Mas nem sempre um grande potencial se transforma em algo grandioso.
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