De certa forma, esse livro me provoca algumas reações contraditórias. Ao mesmo tempo em que a escrita é primorosa, o ponto de vista escolhido para a narração é interessante, as personagens são bem construídas e desenvolvidas na história, mesmo com tudo isso, eu não gostei do livro. O motivo: simplesmente achei todos os personagens detestáveis.
Talvez por justamente serem todos demasiadamente humanos, sem nenhum de seus defeitos escondidos, não consegui gostar de nenhum deles. Pior ainda, se fossem pessoas de verdade, teria detestado todos eles (bem, talvez não o narrador, que é mais um observador do que personagem). Ou talvez eu apenas não goste dos ricos, compartilhando da opinião de Hemingway.
De qualquer forma, O Grande Gatsby conta a história de Jay Gatsby pelos olhos de Nick Carraway, o narrador do livro. Nick, apesar de não ser rico, acaba morando num abastado bairro numa cidade perto de Nova Iorque, nos anos 20. O seu vizinho acaba sendo o Gatsby do título, um rico e misterioso homem, extravagante, que constantemente dá grandiosas festas na sua mansão.
Abaixo pode conter spoilers.
Mas Gatsby não é um homem leviano, ele tem um propósito: reencontrar com seu amor de anos atrás, Daisy, quando ele ainda era um pobretão. Mas hoje, ela se encontra casada com Tom, um personagem que eu certamente adoraria dar um murro nas fuças. A outra personagem principal que aparece no romance é Jordan, interesse romântico de Nick, mas que também tem uma personalidade que não me agrada.
Até certo momento do livro, eu considero Daisy a minha personagem favorita. Ao mesmo tempo que ela sofre, mostra uma imensa força interna (considerando a época em que se passa o romance), movida talvez pelo amor. Mas as pressões externas e as circunstâncias mostram que essa força não era forte o suficiente, ou talvez mesmo verdadeira. Falar sobre quais foram essas circunstâncias seria dar spoilers demais.
Se quiser saber de toda a história (mas sem ler o livro, que é bem curto - tem menos de 200 páginas, o resto são posfácios e prefácios que podem ser bem pulados), você pode olhar no tópico na Wikipedia, cujo resumo cobre toda a história.
Abaixo, alguns trechos do livro (os negritos são meus):
Sobre Daisy, uma primeira impressão:
Sugeriu num murmúrio que o sobrenome da moça flutuante era Baker. (Ouvi dizer que o murmúrio de Daisy existia só para fazer as pessoas se inclinarem até ela; uma crítica irrelevante que não tornava o recurso menos encantador.)
As impressões nem sempre são corretas, num mundo de aparências. Daisy confidencia a Nick:
"Vai lhe mostrar como passei a me sentir em relação às coisas. Bem, fazia menos de uma hora que ela tinha nascido e Tom estava sabe Deus onde. Despertei do efeito do éter com uma sensação de profundo abandono e perguntei imediatamente à enfermeira se era menino ou menina. Ela me disse que era uma menina, então virei o rosto e chorei. 'Muito bem', falei. 'Fico feliz que seja uma menina. E espero que seja uma tola... é a melhor coisa que uma mulher pode ser neste mundo, uma tolinha bonita.'
"Como vê, de certo modo acho tudo terrível", continuou com convicção. "Todo o mundo pensa assim... as pessoas mais avançadas. E eu sei. Estive por toda parte, vi tudo e fiz de tudo."
Nick sobre Jordan:
O rosto entediado e arrogante que ela oferecia ao mundo escondia algo - a maioria das afetações esconde algo, afinal de contas, embora não o faça no início - e um dia descobri o que era.
Uma canção de fundo:
One thing's sure and nothing's surer
The rich get richer and the poor get - children.
Uma coisa é certa e nada é mais certo
Os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam - com mais filhos.
Nick vendo o reencontro de Gatsby e Daisy, e sobre o que guarda um coração:
Quando me aproximei para me despedir, vi que a expressão de perplexidade tinha voltado ao rosto de Gatsby, como se uma leve dúvida lhe tivesse ocorrido em relação à qualidade de sua felicidade atual. Quase cinco anos! Deviam ter ocorrido momentos, mesmo naquela tarde, em que Daisy deixou de preencher os seus sonhos - não por culpa sua, mas por causa da vitalidade colossal da ilusão de Gatsby. Fora além dela, além de tudo. Ele se jogara naquilo com uma paixão criativa, acrescentando algo o tempo todo, embelezando o seu sonho com cada plumagem colorida que surgisse em seu caminho. Nenhuma quantidade de fogo ou de frescor podia competir com aquilo que um homem é capaz de armazenar no seu coração fantasioso.
Nick vendo o beijo de reencontro, em outra ocasião:
Seu coração batia cada vez mais rápido enquanto o rosto claro de Daisy se aproximava do seu. Sabia que quando beijasse esta mulher e unisse para sempre suas visões inexprimíveis ao hálito perecível dela, seu pensamento nunca mais correria à frente de todos, como o pensamento de Deus. Por isso esperou, ouvindo por um momento mais a diapasão que vibrava ao tocar numa estrela. Então a beijou. Ao toque de seus lábios ela se abriu como uma flor e a encarnação foi completa.
Nick, num momento em que as palavras são fugidias:
Em meio a tudo o que ele disse, até mesmo em meio ao seu espantoso sentimentalismo, eu me lembrei de algo – um ritmo fugaz, um fragmento de palavras perdidas, que ouvira em algum lugar havia muito tempo. Por um momento uma frase lutou para tomar forma em minha boca e meus lábios se entreabriram como os de um mudo, como se houvesse mais esforço neles do que apenas um sopro repentino de ar. Mas não produziram som algum e o que eu quase lembrara ficou incomunicável para sempre.
E as últimas (e tristes) palavras do livro:
Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano a não recua a nossa frente. Ele nos escapara então, mas isso não importava – amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais adiante nossos braços... E numa bela manhã...
E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado.
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