Mas haviam dois outros motivos pra querer ler este livro: o primeiro, conhecer um pouco dessa figura que foi Hemingway. E o segundo motivo é que eu sempre quis ler o livro que aparece no filme Cidade dos Anjos, com Meg Ryan e Nicholas Cage (por um bom tempo, eu fui fã da Meg Ryan). No filme, eles usam o nome original do livro, que é A Moveable Feast.
O livro contém uma pequena auto-biografia do autor, dos primeiros tempos em que viveu em Paris, na década de 20.
Apesar de ser ignorante quanto a muitos dos citados no livro (OK, de quase TODOS os citados no livro), eu gostei muito de lê-lo. Mistura com iguais doses três coisas: Paris, a cidade e seus pequenos (ou grandes) encantos; reflexões sobre a vida, inclusive a sua própria (afinal, isso é uma auto-biografia); e o que eu chamo de fofocas ou "seção Caras", com seus encontros com outras figuras da época ou de sempre. Mas mesmo nessas últimas, a leitura flui deliciosamente bem.
Nesse sentido, chamar de "seção Caras" é mais quanto ao objeto (a vida de famosos) do que a qualidade da escrita. Se revistas como "Caras" tivessem textos com apenas 20% da qualidade de Hemingway, talvez eu não as desprezasse tanto.
De qualquer maneira, aqui vão algumas partes do livro que eu acabei marcando durante a minha leitura:
Sobre gerações e perdas:
...e concluí que todas as gerações eram perdidas por alguma coisa, sempre tinham sido e sempre haveriam de ser. Parei no Lilas para fazer companhia à estátua e beber uma cerveja gelada antes de ir para casa...
Ah, se até Hemingway acha que as gerações estão perdidas e o melhor é tomar uma cerveja, quem sou eu pra contestar? Huahuahua =P
Sobre as primaveras e ciclos:
Com tantas árvores na cidade podia-se ver a primavera chegando dia a dia, até que uma noite de vento quente a traria de repente na manhã seguinte. Pesadas chuvas frias poderiam retardá-la às vezes e temíamos que nunca mais chegasse, fazendo-nos perder, assim, uma estação em nossa vida. Esse era o único tempo realmente triste em Paris porque era fora do natural. A gente já espera ficar triste no outono. Uma parte da gente morre cada ano, quando as folhas caem das árvores e seus galhos ficam nus batidos pelo vento e a luz fria, invernal.
Mas sabíamos que haveria sempre outra primavera, assim como sabíamos que o rio fluiria de novo depois de ter estado congelado. Quando as chuvas frias continuavam durante longo tempo e acabavam matando a primavera, era como se um jovem tivesse morrido à toa. Naqueles dias, porém, a primavera sempre triunfava, mas dava-nos um frio na espinha pensar que faltara pouco para que ela tivesse falhado.
Sobre as primaveras e certas pessoas:
Quando a Primavera chegava, mesmo que se tratasse de uma falsa primavera, nossos problemas desapareciam, exceto o de saber onde se poderia ser mais feliz. A única coisa capaz de nos estragar um dia eram pessoas, mas se se pudesse evitar encontros, os dias não tinham limites. As pessoas eram sempre limitadoras da felicidade, exceto aquelas poucas que eram tão boas quanto a própria primavera.
Sobre a pobreza, trabalho e uma ponta de romantismo:
Quem se dedica a seu trabalho e nele encontra satisfação não é afetado pela pobreza. Mas sempre pensava nas banheiras, chuveiros e vasos sanitários com descarga que gente inferior a nós possuía e que gostávamos de usar quando viajávamos, coisa que fazíamos com frequência.
Eu tinha sido estúpido quando ela necessitando de um casaco de lã cinza, ficou feliz quando o comprou. Eu tinha sido estúpido por outros motivos, também. Mas tudo isto era parte da luta contra a pobreza, que nunca se vence exceto não gastando. Especialmente se compramos quadros em vez de roupas. Mas, naquele tempo, não nos considerávamos pobres. Não admitíamos isso. Pensavamos que éramos superiores, e as outras pessoas, que olhávamos de cima e de quem com razão desconfiávamos, eram ricas. Nunca me tinha parecido estranho usar camisetas de algodão como roupa de baixo, para conservar o calor. Isso só parecia estranho aos ricos. Comíamos bem e barato, bebíamos bem e barato, dormíamos bem, aquecendo~nos e nos amando um ao outro.
Sobre família e obras de arte:
Mas a verdade é que ele gostava de tudo o que seus amigos fizessem; a lealdade, porém, sendo um belo sentimento humano, pode levar a julgamentos críticos desastrosos. Ezra e eu jamais discutíamos a respeito dessas coisas porque eu me calava sobre aquilo de que não gostasse. Se um homem gosta da literatura ou da pintura que seus amigos fazem, pensava eu, era como certas pessoas que gostam de suas famílias. Não seria delicado falar mal delas. Ás vezes é preciso um tempo enorme de sofrimento para que se possa analisar criticamente as famílias, tanto a nossa própria como a que formamos pelo casamento, mas o mesmo não se dá quanto aos maus pintores: eles não nos fazem tanto mal, nem criam tragédias íntimas como ocorre com as famílias. Aos maus pintores basta-nos ignorá-los, mas mesmo quando aprendemos a ignorar as famílias, a não ouvir seus reclamos, a não dar resposta às suas cartas, ainda assim dispõem de muitas formas de nos afligir.
Sobre ostras, tuberculose e remédios estranhos:
Notei que não se esforçava por me apresentar aquele ar de marcado para morrer, o que já era um alívio. Eu sabia - e Walsh não ignorava isso - que ele estava com tuberculose, e não daquele tipo da qual ainda naquele tempo se poderia tirar alguma notoriedade, mas do tipo que leva o sujeito para a cova. Por isso, também, não fez força para tossir, coisa que muito me agradou porque estávamos na mesa. Perguntei-me se ele comia as tais ostras alongadas pelo mesmo motivo que as prostitutas de Kansas City, quando estavam marcadas para morrer ou para o que desse e viesse, sempre engoliam esperma como o melhor remédio para a tuberculose, mas achei que não seria delicado investigar esse ponto. Ataquei minha segunda duzia de ostras tirando-as uma a uma de seu leito de gelo moído sobre bandeja de prata e notando que seus contornos, de um castanho incrivelmente delicado, se contraíam quando eu espremia limão sobre elas e as destacava de sua casca, para comê-las também delicadamente.
Sobre a felicidade de dois, seus perigos e ...
Quando duas pessoas se amam, são felizes e alegres, e estão empenhadas, juntas ou individualmente, numa tarefa construtiva, os outros se sentem tão atraídos por elas como as aves migradoras são atraídas à noite pela faixa de luz de um farol poderoso. Se as duas pessoas que se amam fossem tão sólidas como um farol, nada sofreriam, pois a perda seria das aves. Mas o fato é que aqueles que atraem os outros com sua felicidade são geralmente pessoas despreparadas. Não sabem como evitar que as arruínem, nem como se livrarem a tempo do perigo.
... os ricos:
Raramente conseguem conhecer as artimanhas dos ricos, que são bons, atraentes encantadores, comunicativos, generosos, compreensivos, perfeitos e dão a cada dia o movimento de um festival, até que conseguem sugar toda a seiva de que se alimentam e partem, deixando tudo mais morto do que as raízes da relva esmagada pelas patas dos cavalos de Atila.
Os ricos vieram na esteira de seu peixe-pilôto. Se fosse um ano antes talvez não tivessem vindo. Meu trabalho era da mesma qualidade e minha felicidade pessoal era maior, mas não havia escrito ainda o primeiro romance de modo que os ricos não podiam ter certeza quanto à minha pessoa. Os ricos jamais perdem tempo ou gastam simpatia com coisas incertas. E por que o fariam? Picasso era uma coisa certa e seguramente já o era antes deles terem ouvido falar nele tinham muita certeza também, quanto a outro pintor. A vários outros pintores. Mas, naquele ano, já tinham certeza de meu futuro, graças às informações recebidas de seu peixe-pilôto, que os acompanhou até o momento do encontro para que não se sentissem constrangidos e eu não bancasse o dificil. Nosso peixe-pilôto, naturalmente, era "grande amigo".
Sempre desconfie dos ricos!
E finalmente, sobre a Paris de seus primeiros tempos, quando era muito pobre e muito feliz:
Paris nunca mais seria a mesma para mim, embora continuasse sendo a Paris de sempre, e mudássemos de acordo com as modificações que nela se estavam operando.
...
Paris não tem fim, e as recordações das pessoas que lá tenham vivido são próprias, distintas umas das outras. Mais cedo ou mais tarde, não importa quem sejamos, não importa como o façamos, não importa que mudanças se tenham operado em nós ou na cidade, a ela acabamos regressando. Paris vale sempre a pena, e retribui tudo aquilo que você lhe dê.
4 comentários:
Devo admitir que não gostei deste livro tanto quanto de o Velho e o Mar e Adeus às Armas. Mas é muito bom...
Traz muita reflexão...
Abraćos
Adooooro esse povo cult dso mundo cibernético. rsrsrs...
Geeente..parece ser um livro bom. Me lembra o Hell Paris (que certeza tem uma linguagem mais leve e direta) mas a essência é a mesma...a semi-biografia de uma pessoa que viveu em Paris....Retrata o lado bom..e o lado ruim (que tb é bom) da elite Francesa....Recomendo tb viu.
O que dizer pra você além de love youuuuuuu??????????
:)
sim, me empolgo, mas, não sem motivos...
beijos,
K, saltitante de alegria! parecendo canguru..rs.rs.rs.
Estou lendo. na verdade o que me chamou atenção foi ao comentário de Márci falando sobre o livro Hell. Na verdade são livros com essências diferentes. Mas a comparação é válida quando diz respeito a Paris. Pois bem, o livro merece indicação, acho Hemingway fantástico.
Abçs
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