É preciso reconhecer que certos filmes não são feitos mesmo para agradar a todos. Sucker Punch (que tem o subtítulo dispensável em português de Mundo Surreal) é um desses filmes. Feito de maneira que parece mais uma coletânea de episódios, num ritmo acelerado de videoclipe, o filme deve agradar em cheio o público que tem essa estética de videoclipe correndo nas veias, tanto por seu visual fantástico, sua trilha sonora igualmente espetacular e o pouco apego à história e desenvolvimento de personagens. O que não quer dizer um filme ruim, muito pelo contrário, o filme é extremamente divertido. Excelente, na minha avaliação.
Talvez o(a) leitor(a) que acompanhe meus textos sobre filmes se espante em ouvir eu dizer que um filme com uma história fraca e pouco desenvolvimento de personagens (dois aspectos que eu geralmente enfatizo), seja um bom filme. Mas é preciso levar em conta a proposta do filme. E, no caso de Sucker Punch, não dá pra considerá-lo mais do que ele é: um apanhado de cenas fantásticas, mas sem uma motivação verdadeira por trás (que seria uma boa história). Exatamente como num videoclipe musical, onde o espetáculo visual e musical são mais importantes que a história (quando ela existe). O diferencial aqui é que são 4 "clipes", e cada um deles já vale o ingresso.
A história de Sucker Punch se passa em meados de 1950, tendo como protagonista uma garota que acaba de perder a mãe. Vivendo com um padrasto estereotipado e que cujas motivações são escancaradas desde o primeiro plano (com o que as mulheres certamente chamariam de "sorrisinho escroto"), essa garota, depois de uma grande tragédia, acaba sendo levada pelo padrasto a um hospício prisão, onde será lobotomizada em cinco dias, a fim de esquecer o que se passara. E antes que esses cinco dias se passem, ela tentará escapar da sua prisão. Mas, para viver ali e suportar melhor seu tormento, ela passa a viver em um mundo à parte, o tal "mundo surreal", paralelo e metafórico. Neste mundo, ela é uma órfã que é levada a uma espécie de cabaré-prisão, onde em cinco dias, conhecerá um cliente especial que a deflorará.
Este cabaré-prisão é o primeiro nível de fantasia da garota, ali chamada de Babydoll (Emily Browning). Junto com quatro outras garotas ali, Sweet Pea (Abbie Cornish), Rocket (Jena Malone), Amber (Jamie Chung) e Blondie (Vanessa Hudgens), Babydoll traça um plano que necessita de 4 itens para funcionar (na verdade, são 5, mas o quinto item é "secreto"). Para pegar esses itens, ela usa como distração a dança. E para dançar, ela entra num segundo nível de fantasia, que é onde acontece toda a ação desenfreada e "surreal". Nessa fantasia meio Inception, ela e suas amigas passam por cenários e situações diversas, cumprindo missões como se fosse um grande videogame, de um templo japonês feudal até um num cenário interplanetário futurista, passando por uma guerra mundial com zumbis steampunk e um castelo típico de RPG e com toda a estética de Senhor dos Anéis.
Aliás, as referências nerds de Sucker Punch são um prazer a parte pra quem gosta (como eu). A primeira incursão de Babydoll no segundo nível de fantasia, por exemplo, mistura influências de filmes japoneses e anime/mangá (reparem nos planos que apresentam os samurais gigantes, o foco na espada caindo e a câmera por cima, enfocando os samurais ao mesmo tempo que foca gralhas - ou corvos - nos galhos da árvore: dois planos que são quase clichês em animes do gênero de luta com espadas), bem como filmes de luta chinês (quando o samurai gigante empunha a metralhadora giratória). A coreografia, o movimento de câmera, os cortes, a câmera lenta... Tudo é usado com o máximo de eficiência nessa cena, elevando a estética de lutas chinesas a um nível que poucas vezes vi.
E se a primeira incursão pela fantasia de "segundo nível" já é espetacular, o nível se mantém nas outras, inclusive com mais referências e elementos que fazem a cultura nerd tão legal. Impossível não gostar de zumbis steampunk, que além do visual bacana, meio chupado de Killzone, apresenta uma boa solução pra manter a classificação etária do filme baixa, jorrando vapor ("steam") ao invés de sangue. A cena se passada no universo de rpg é igualmente espetacular. Ou vai me dizer que assistindo Senhor dos Anéis, nunca te passou pela cabeça entrar no meio da guerra com metralhadoras e outras armas de fogo?
Bem, se a fotografia de Sucker Punch é primorosa, assim como os efeitos especiais (algo até esperado ao se analisar os últimos filmes do diretor Zack Snyder), outro destaque é a música e trilha sonora. Usando canções já conhecidas (e outras nem tanto, pelo menos por mim), com uma roupagem personalizada para o filme, a música se encaixa perfeitamente no clima das cenas. Aliás, assim como videoclipes, as músicas são responsáveis por boa parte do andamento do filme, como se elas o conduzissem mais do que os diálogos, em muitas ocasiões. Basta ver a clássica música Sweet Dreams (Are Made of This), que é usada na introdução do filme, onde não há diálogos (apenas uma narração que não se sobrepõe à música). De fato, pessoalmente, há tempos uma trilha sonora de filme não me animava tanto (e que escuto agora, enquanto escrevo este texto). Outro ponto interessante da trilha é que algumas músicas são interpretadas pelos atores/atrizes, como a já citada Sweet Dreams, cantada pela Emily "Babydoll" Browning.
E falando em Babydoll, outros pontos técnicos do filme a serem apreciados são a maquiagem, figurino e direção de arte. Enquanto Browning surge sempre no mundo fantasioso como uma verdadeira bonequinha, cada um dos personagens tem a sua própria natureza bem caracterizada visualmente, desde o vilão Blue (Oscar Isaac) até a dúbia Doutora Vera Gorski (Carla Gugino). O trabalho de direção de arte é espetacular, não só nas cenas de "missões", quanto no cabaré, que divide um aspecto abandonado (em alguns cômodos com a tinta descascando, por exemplo) e um aspecto chique (como no camarim).
Eu até gostaria de dizer que Sucker Punch é perfeito, mas estaria mentindo. Mesmo o clima de videoclipe e as referências culturais pop/nerd sendo deliciosos, ele acaba cansando um pouco no decorrer da projeção, e ao vermos a quarta incursão de Babydoll e meninas na fantasia de segundo nível, as cenas já não causam o mesmo impacto, mesmo que ainda seja bacana ver a movimentação da câmera aliada à câmera lenta no combate com os robôs. A partir deste ponto, o filme toma um rumo um pouco mais dramático, mas sem conseguir desenvolver algo melhor (afinal, nessa altura o filme já se encaminha pro desfecho). O final também não me agradou muito, mas se eu não levei realmente o filme a sério até aquela altura, não vou me prender ao desfecho.
Ao final de Sucker Punch, a sensação é de que o diretor Zack Snyder é um nerd realizado. Além de inserir num mesmo filme vários fetiches masculinos (cada personagem apresentando um estereótipo idealizado da cabeça masculina, como a colegial, a dançarina, a empregadinha), ele filmou no mesmo filme vários gêneros que, na falta de expressão melhor, são fetiches nerds (lutas à la Matrix, zumbis, orcs). Eu adorei.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete e no Cinema em Cena.
P.S. Li em algum lugar, que uma crítica comparava Sucker Punch como sendo um Crepúsculo para adolescentes masculinos. Hummm. Concordo no que se refere ao filme apresentar ao seu público o que ele deseja (afinal, se Crepúsculo tem suas fãs, é porque ele dá a elas algo que elas desejam, mesmo que esse algo seja um vampiro mórmon). Mas a comparação perde força porque Sucker Punch não é um filme pra ser levado a sério. Coisa que infelizmente, as fãs de Crepúsculo fazem (e muito!). Se bem que Crepúsculo também não deveria ser levado a sério, então... Enfim!
P.S.2. Quando digo que um filme não deveria ser levado a sério, não significa que ele seja ruim. Debi e Lóide, por exemplo, não é pra ser levado a sério. Mas é minha comédia preferida EVER!
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