Achei esse vídeo aqui, em inglês, de uma reportagem (de 2005) sobre suicídios no Japão, muito boa:
(Link para o vídeo.)
Nele, o repórter Adam Yamaguchi fala sobre o The Complete Manual of Suicide, ou em português, "O Manual Completo do Suicídio", um livro que já vendeu mais de 1 milhão e meio de cópias. O livro é realmente um manual, que se abstém de discussões morais/filosóficas, e vai direto pra prática: detalha diversas maneiras de se cometer suicídio, inclusive dando graus de dificuldade, de dor, etc., para as diversas formas.
Uma das formas "sugeridas" pelo manual é pular na frente de um trem. Se você conhece filmes japoneses de terror underground, deve ter se lembrado da cena inicial de Suicide Circle, ou Jisatsu Circle. O repórter inclusive mostra uma das linhas de trem que mais é utilizada para isso, sendo apelidada até de "Linha do Suicídio". E algo curioso: a família do suicida é cobrada pela sujeira causada e o atraso que o transporte sofre, o equivalente a 80 mil dólares.
Além de fatores culturais (para saber mais, aconselho o artigo O suicídio é o maior produto de exportação do Japão? Notas sobre a cultura de suicídio no Japão, tradução de um artigo original de Kayoko Ueno, doutora em Sociologia), o que pode ter impulsionado o número de suicídios é a crise econômica, que começou no fim da década passada. O gráfico que eu tirei do vídeo ajuda a ter uma idéia disso:
E olhem a citação do mesmo artigo:
Segundo, é aparente que o aumento do suicídio é inseparável da recessão econômica e dos déficits do sistema da previdência social no país. As Estatísticas Vitais do Japão revelam que na última década o número de suicídios está diretamente relacionado ao desemprego: quanto maior o índice de desempregos num ano, mais suicídios ocorrem, e vice-versa. A re-estruturação de companhias, o corte e a diminuição de empresas têm ocasionado um desemprego massivo para aqueles que já não são empregáveis na “nova economia.” Como os bancos japoneses sempre foram cuidadosos ao emprestar dinheiro, as pessoas autônomas que não têm outro lugar onde pedir dinheiro emprestado acabam caindo nas garras dos agiotas. Aqueles que caem nesta armadilha, são então forçados a crer que sua única saída é deixar uma boa soma em dinheiro no seu seguro de vida para ajudar a família enlutada ou os seus empregados.
Além dessa reportagem, Adam Yamaguchi realizou outra, com foco nos grupos de suicídio, ou grupos de pessoas que formam pactos para se matarem juntas. Esses grupos cresceram bastante, com a ajuda da Internet. Veja o vídeo:
(Link para o vídeo.)
Outro trecho retirado do artigo O suicídio é o maior produto de exportação do Japão? Notas sobre a cultura de suicídio no Japão:
Sempre houve pessoas desejando estarem mortas, ou tendo pensamentos sobre a morte voluntária. Mas, antes, ninguém os encorajava diretamente a morrer. Nos meios de comunicação convencionais, se alguém diz ou escreve "eu quero morrer", a resposta mais provável é "Espere, não morra!" Já na Internet, pelo contrário, qualquer um se sente livre para escrever o que quiser sob um nome falso. No momento em que alguém menciona intenções de cometer o suicídio, palavras inventivas aparecem imediatamente e alcançam o candidato ao suicídio. Palavras e expressões horríveis tais como "você é uma porcaria", "você está morto", "você não merece viver", "o mundo estará melhor sem você" começam a se juntar. Estas frases curtas aparecem do nada, e até começam a percorrer páginas genuínas de consulta. No mundo pós-moderno da Internet, as palavras perdem sua ligação ao sujeito responsável por elas. Portanto, as páginas de suicídio pela Internet estão se tornando um campo fértil para o desenvolvimento de todos os tipos de comunicação negativa. Uma das páginas mais populares para a prevenção de suicídios teve que baixar a regra que os usuários só poderiam participar por no máximo meia hora, pra impedir que as emoções negativas se expandissem.
Também, antes da era da Internet, não havia quase nenhuma oportunidade para as pessoas que estavam contemplando o suicídio se encontrassem com outras pessoas com as mesmas idéias. Agora, encontrar companheiros é muito fácil. Em um minuto, os japoneses podem encontrar termos como “eu também quero me matar,” nestas páginas de suicídio. É um novo fenótipo da cultura do suicídio em grupo, com uma nova ênfase na cessação do sofrimento, do medo, do isolamento. É como se, de repente, o suicídio fosse aceitável, desde que fosse praticado junto com outras pessoas, e sem dor. Também é importante observar que, no discurso da mídia, aqueles que recrutaram companheiros raramente tiveram alguma sanção social. Provavelmente porque, uma vez que tal ato é considerado suicídio, ele é, por definição, um ato voluntário entre participantes. E mesmo que não seja, uma vez que os participantes estão mortos, quem vai levar a culpa?
Uma forma "bem popular" de suicídios em grupo é dentro de carros. As pessoas ou se intoxicam com carvão queimando dentro do carro, ou com o próprio escapamento deste. A reportagem começa imagens de policiais retirando corpos de um destes carros.
Nesta reportagem, o Adam conversa com algumas das pessoas que procuram esses grupos na Internet. O primeiro japonês com quem ele conversa é um homem de 44 anos. Este homem planejava se suicidar dentro de um ou dois dias, depois do encontro com o repórter. Depois da reportagem, o homem não respondeu mais a e-mails, e o telefone dele fora desligado.
Uma das conclusões que o repórter chega, é que os grupos de suicídios na Internet (em forma de sites, fóruns) ajudam o suicida a dar o passo final, que muitos têm medo de fazer sozinhos. Claro que as autoridades coibem esses sites, fechando-os com a ajuda dos provedores, mas como tudo na Internet, logo que são fechados, esses sites ressurgem em outro lugar.
Pra quem já viu o anime NHK ni Youkoso, deve se lembrar de um episódio em que o protagonista, meio sem querer, acaba sendo levado na onda, e indo a um destes encontros para se suicidarem (no episódio Bem vindo ao céu). Claro que o anime é pra ser leve, afinal é uma comédia dramática, e o problema real não é tão engraçado, mas o anime mostra bem como funciona esse esquema de grupos de suicidas.
Enfim, esse post foi inspirado neste outro post no Kirainet, em que o blogueiro tirou uma foto de um anúncio de uma campanha contra o suicídio, em Tóquio:
A única frase que eu consigo ler, com meu restrito japonês, é a frase com as letras coloridas: Vida - pessoas importantes esperam por você.
A idéia geral do cartaz é: "A vida é importante, pessoas importantes te esperam, vamos reduzir a taxa de suicídio de Tóquio". Bem, pelo visto o cartaz não tem ajudando muito... Também, você se comoveria com isso?
Um comentário:
hm.. mas esse cartaz ta muito alegrinho.. nao mostra sensibilidade..eu colocaria um cachorrinho sentado sozinho esperando pelo dono (que aparentemente suicidou) .. ai as pessoas iam pensar: oohhhnnnn.. tadinho.. como Pode deixar o cachorrinho sozinho... o cara se matou e nem pensou nos outros que o amavam.....
n_n
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