Boas histórias são atemporais. Talvez o meio em que elas trafeguem acabe datado, mas a história em si continua se sustentando. No cinema, esse fato é bem visível. Talvez o cabelo ou o carro do personagem entreguem logo de cara a época que o filme foi feito, mas a história em si se mantém bem atual. E em alguns raros, mas felizes casos, a própria estética não sofre muitas mudanças. E é esse o caso do Karate Kid original, de 1984, aquele com o Daniel-san (Ralph Macchio) e o Mestre Miyagi (Pat Morita). Em vista disso, por que fazer uma refilmagem? Tirando o motivo financeiro de lucrar uns trocos, não sei.
O novo Karate Kid (no original, The Karate Kid) segue fielmente o original. A estrutura é basicamente a mesma: mãe e filho se mudam para um lugar distante (desta vez, a China, em vez da costa oeste dos Estados Unidos). Neste novo lugar, o menino conhece menina, rola um clima entre eles, mas tem um valentão que também está de olho nela. E esse valentão pratica uma arte marcial com um professor impiedoso cuja filosofia é ganhar, custe o que custar, e sem piedade com o inimigo. E claro, o valentão é bem mais forte que o nosso herói, que acaba comendo o pão que o diabo amassou. Até que o zelador do prédio em que o menino mora, que parecia ser apenas um velho acabado, salva o menino de tomar uma surra e se revela um verdadeiro mestre das artes marciais. E começa a treinar o menino nesta arte, para que ele enfrente o valentão e sua gangue num campeonato oficial.
Ok, agora coloque os detalhes específicos no parágrafo acima, como kung-fu ou karate, e você pode ter tanto o filme original quanto a nova versão. De fato, vários diálogos são praticamente iguais, como o discurso do mestre do mal ("sem piedade"), ou quando Dre se desespera e briga com a mãe, querendo voltar ao seu lar, e ela fala que o lar deles é lá agora.
O novo Karate Kid tem alguns acertos e alguns erros, em relação ao original. Logo no início do filme, vemos o menino Dre (Jaden Smith, filho do Will Smith) deixando o seu apartamento e indo para o aeroporto com sua mãe Sherry (Taraji P. Henson), de onde partirão para a China. Essa pequena sequência inicial, mostrando o que Dre perdeu por se mudar, apesar de curta, é ótima para situar o personagem.
Outro aspecto que ficou excelente nesta versão, na minha opinião, é a idade do protagonista-título, mais jovem em relação ao filme original. Algo que sempre me incomodou no original era o jeito infantil e um tanto mimado, de Daniel-san, que me fazia mesmo ter vontade de espancá-lo, pra ver se aprendia a não ser um bebê chorão (por exemplo, depois de levar uma surra por causa de estar xavecando a mocinha, ele fica chorando e fica bravo com ela, afastando-a, em vez de aceitar os cuidados dela). Atitudes do personagem que combinam bem melhor com uma criança de 12 anos do que com um adolescente de 16.
Outra diferença, bem vinda, são as atitudes de Xiao Dre (o novo "Daniel-san", mas com um sentido um pouco diferente, já que 'xiao' segundo o filme, significa 'pequeno'). Mesmo tendo seus momentos de choro (em que Jaden consegue ótimas performances), o personagem tem uma atitude mais forte. Pelo menos, não me faz querer esbofeteá-lo pra ver se toma jeito.
Ainda no campo dos aspectos positivos da nova versão, temos o bom e velho (agora literalmente falando) Jackie Chan, como o senhor Han. Acertadamente, o senhor Han é muito diferente do senhor Miyagi de outrora. Exibindo uma atuação excelente em termos dramáticos, a cena em que o senhor Han conta a história de sua família é uma das melhores do filme. Jackie Chan prova, numa pequena sequência, que tem muito mais do que acrobacias maravilhosas. Infelizmente, a sequência dessa cena é de matar de vergonha alheia, quebrando todo o clima desenvolvido, como se um treino com uns bastões realmente fizesse a diferença naquele momento.
Em se tratando de Jackie Chan, não poderiam faltar lutas espetacularmente coreografadas e encenadas. E realmente, a cena em que o senhor Han defende Dre da turma de valentões, é ótima. Além da luta em si, a câmera do diretor Harald Zwart se posiciona muito bem, executando bons movimentos intercalados com alguns cortes precisos. Entretanto, parece que o diretor se esqueceu disso no final, quando temos o famigerado campeonato. Nessas cenas finais, as lutas são bem mais "duras", com cortes secos e desnecessários, e mais parecidas com as do filme original (que tinha uma razão de ser, afinal, karate é mais 'engessado' do que o kung-fu mesmo).
E esse não é o único defeito deste novo Karate Kid. Se no caso do personagem principal a diminuição da idade ajudou, no caso dos seus inimigos, ela prejudicou. Afinal, mesmo praticantes de artes marciais, eles eram crianças. E, como uma gangue de arruaceiros e "punks", não convencem muito.
Outro ponto pouco explorado no filme é a barreira da linguagem. Piadas com o problema da língua, por exemplo, só tem uma, logo no começo. Mas é compreensível, já que afinal, em Beijing na China, quase todo mundo fala inglês... E se tem uma coisa que não falta no filme, é a lembrança de que estamos na China. Além de várias cenas (gratuitas) visitando pontos turísticos, como a Grande Muralha e a Cidade Proibida, na primeira metade do filme somos invadidos por imagens da cidade, com altos arranha-céus sendo construídos, o trânsito complicado, e claro, as praças cheias de idosos praticando tai chi chuan.
E nem vou comentar o nome do filme, que deveria ter sido (em todo o mundo, não só na China), Kung Fu Kid. Mesmo que em um determinado momento a mãe de Dre diga algo como "karate, kung fu, tanto faz", Karate Kid não deixa de ser um péssimo título para este filme, se o analisarmos separadamente do primeiro.
Apesar de se perder em alguns momentos (Por exemplo, o que é a história do uniforme escolar? Depois de um fuzuê inicial, Dre sempre aparece vestido diferente quando todos os outros alunos estão de uniforme...), o novo Karate Kid é até divertido. Assim como no original, o treinamento não convencional de Dre é bem bacana (apesar de eu ter certeza de que tirar e colocar a jaqueta não ganha em carisma do pintar a cerca e lixar o chão). Infelizmente, o filme acaba se tornando um pouco cansativo no final, com suas duas horas e vinte minutos.
Com produção dos pais do astro do filme, Jada Pinkett Smith e Will Smith, o novo Karate Kid tem uma aura de nostalgia para aqueles que viram o primeiro e que gostam de filmes de artes marciais. Mas no final, ainda me parece que quem mais se divertiu no filme, foi a família Smith.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.
Um comentário:
eu tinha perdido a vontade de assistir esse filme justamente pelo nome do filme e pela atuação do filho do will smith (filme comprado), mas tu fez uma critica boa, vou fazer o download pra ver.
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