2010-09-25

Filme: O Bem Amado

Cada obra, querendo ou não, acaba refletindo o seu tempo, o modo de pensar da sua época, mesmo que a obra se passe no passado ou no futuro. Este é o caso de O Bem Amado, que volta agora encarnado no filme de Guel Arraes. Não assisti a novela, nem li a peça original de Dias Gomes (que aliás, foi um excelente escritor), então não posso tecer comentários aprofundados sobre as diferenças entre as diversas mídias. Entretanto, sendo uma obra original dos anos 60, é visível que houve algumas adaptações no modo como a história é contada, mas o seu cerne permanece o mesmo. E assim, é possível de ver o quanto a obra é, talvez infelizmente, atemporal.

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O Bem Amado acompanha o mandado de prefeito de Odorico Paraguaçu (Marco Nanini) em Sucupira, desde a sua eleição até o seu fim. Político enrolador e bom de papo (além de inventor de palavras), consegue se eleger em cima da morte do ex-prefeito, prometendo para a cidade uma grandiosa obra, o "construimento" cemitério municipal. Entretanto, depois de eleito e com o cemitério 'superfaturadamente' construído, ele não consegue inaugurá-lo por falta de mortos na cidade.

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Como uma novela, o filme segue essa linha principal, o do esforço de Odorico em conseguir inaugurar sua grande obra, enquanto outras pequenas linhas narrativas surgem, sempre orbitando o prefeito de Sucupira, como a oposição política responsável pelo jornal da cidade, nas figuras do jornalista e candidato adversário Vladmir (Tonico Pereira) e do fotógrafo Neco (Caio Blat), este último ainda envolvido com sua filha Violeta (Maria Flor).

Outras linhas ou núcleos incluem os encontros amorosos/afetivos de Odorico com as irmãs cajazeiras Dulcinéia (Andréa Beltrão), Judicéia (Drica Moraes) e Dorotéia (Zezé Polessa;, a história de Dirceu Borboleta (Matheus Nachtergaele), o funcionário público da prefeitura; a ameaça do pistoleiro Zeca Diabo (José Wilker); as complicações do primeiro candidato a residente do cemitério, o "primo" Ernesto (Bruno Garcia); e por fim, as intervenções mais do que cômicas do coveiro e bêbado da cidade Chico Moleza (Edmilson Barros).

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Com tantos personagens e subtramas, é evidente que tudo isso condensado em mais ou menos duas horas, o filme seria superficial com muitos dos personagens e tramas. O primeiro arco de romance entre Neco e Violeta, por exemplo, é corridíssimo. Paixão à primeira vista perde. E de maneira geral, é tudo muito rápido. Entre cada mini trama se passam semanas, meses, e a transição de tempo é imperceptível, a não ser por um ou outro diálogo que acaba expressando isso. Talvez isso se dê de modo intencional, com a cidade sendo sempre a mesma, refletindo as poucas (ou nenhuma) mudanças pelas quais ela passa (e de maneira metafórica, o próprio Brasil, em alguns aspectos, como a política).

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Entretanto, se o filme O Bem Amado deixa claro que tem um viés político, expressado com todas as palavras por um narrador, ele se perde ao tentar fazer com que a história de Sucupira seja uma mini-história do Brasil e do mundo (na época polarizado pela Guerra Fria, medo de comunistas comedores de criancinhas, etc). O embate entre EUA e União Soviética, entre capitalismo e comunismo (e que acabou afetando diretamente a história brasileira, com a culminação da ditadura em 64), que é logo jogado na tela, dando a entender que se trata de uma extrapolação do embate político em Sucupira, logo se mostra sem importância pelos personagens da pequena cidade. Mais do que ideológicos, os personagens se mostram humanos (um tanto podres) e atemporais. Corrupto e corruptor se misturam, e sempre o primeiro deslize ético é por uma boa causa (ou não).

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Mas antes de tudo, O Bem Amado é uma comédia. Tem um texto brilhante e que é interpretado a altura por Nanini, no papel principal. É dele o show, até porque os outros personagens sofrem com o pequeno espaço reservado a eles. Mesmo assim, conseguem se destacar Wilker como Zeca Diabo e sua ética particular, e Edmilson Barros como Chico Moleza. Este último, protagoniza alguns dos momentos mais engraçados do filme. Matheus Nachtergaele, que é sempre promessa de boas atuações, tem poucos momentos memoráveis no filme, servindo apenas como assistente do prefeito. O lado mais cômico do personagem Dirceu Borboleta praticamente só dá as caras uma vez, na sua noite de núpcias.

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A história de Odorico e Sucupira extrapola de certa maneira um único momento da história, e se torna atemporal quando mostra políticos corruptos, mas carismáticos e verborrágicos, ou quando mostra que a oposição nem sempre é melhor que a situação, mesmo que ela pense assim. Enfim, usando de bom humor e entregando um filme divertido, O Bem Amado mostra histórias que são bem conhecidas do povo brasileiro. Dentro e fora da telinha.

Trailer:



Para saber mais: crítica no Omelete e site oficial do filme O Bem Amado.

2 comentários:

Ju ♥ disse...

quero assistir mas fiquei com 'medo' de ser chato como a novela.

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Assisti esse filme, esperava mais dele devido aos comentários, porém não se pode negar que em períodos de eleição ele caiu bem.