Pernas de aranha
*Clic, clic*
Ela reconheceu o som que as modernas câmeras de celular fazem, uma simulação de uma época em que as máquinas fotográficas realmente faziam barulho porque havia um obturador que abria e fechava.
Ela se virou para trás, de onde vinha o som, e deu de cara com ele. O rapaz era um desses tipos comuns que se vê todos os dias e que não deixam uma marca indelével na memória, vestindo roupas ordinárias já meio gastas. Talvez o mais notável nele fosse os óculos redondos, o que lhe dava um leve ar de nerd desajeitado.
Ela logo percebeu que o rapaz estava tirando fotos dela. Ele, percebendo que ela sabia o que ele estava fazendo, apenas sorriu para ela. E a moça, sentindo mais curiosidade do que qualquer outra coisa, perguntou, sem demonstrar irritação:
- Por que você tirou fotos minhas?
O rapaz, sentindo no fundo um grande alívio pela moça não fazer nenhum escândalo ou se mostrar falsamente indignada, respondeu:
- Desculpe, mas não resisti. O momento pedia para ser registrado e, por sorte, eu estava com o celular na mão.
- Que momento?
- O que acabou de passar. Você estava mexendo na sua bolsa e isso fez com que deixasse o peso do corpo mais em uma perna, fazendo com que ficasse com uma pose lindamente assimétrica. Aliás, você tem pernas lindas, sabia?
Ela achou muito estranho aquela explicação. Pose assimétrica? E ainda por cima, dizer que ela tinhas pernas lindas? Nunca achara as suas pernas grandes coisas, eram relativamente finas e longas, longe do modelo de beleza de pernas torneadas. Até houve uma vez em que um velhinho, na fila atrás dela, comentou (até hoje ela não sabe se para ela ouvir ou apenas um pensamento em voz alta do senhor de idade), que ela tinha "pernas de aranha". Nunca soube se era um elogio ou não, mas como a maioria das mulheres em relação a auto-imagem, no fundo achava que a comparação de suas pernas com as de uma aranha não era nada positivo, afinal.
Era um dia de inverno, mas o frio não viera forte, por isso ela vestia uma calça jeans justa (mas não justíssima, daquelas coladas na pele) e um casaquinho preto. Nada muito extravagante, nem muito planejado, era um dia comum. Por isso, ela estranhou ainda mais aquela conversa de bela pose.
- Vejo que você acha que estou mentindo ou tirando um sarro da sua cara - disse o rapaz, quebrando a onda de pensamentos e devaneios dela.
- É, é meio estranho...
- Olha, não se preocupe que eu não sou nenhum tarado, stalker ou coisa assim. Na verdade, eu já ia pedir a sua permissão pra tirar uma foto sua.
- Depois de ter tirado?
- Bem, é que o momento era aquele e momentos nunca duram muito. Depois de tirar a foto como eu realmente queria, eu ia pedir permissão pra tirar uma foto sua e, se você me permitisse, ia tirar uma foto qualquer. Depois, eu guardaria mesmo a primeira. Não é totalmente honesto, eu admito, mas eu não acho anti-ético e nem acho que fica mal-intencionado desse jeito. Aprendi essa técnica com um mestre meu.
- É um bom truque - ela respondeu, ainda um pouco desconfiada.
- É, mas você percebeu e agora não dá pra usar mais ele. Então eu vou perguntar: você se importa?
- Com as fotos?
- É. Quer que eu as apague?
- Deixa eu ver antes.
Ele mostrou a ela duas fotos no celular. Ali estava ela, retratada de corpo inteiro. Irreconhecível, podia ser qualquer uma, ela estava de costas, com os cabelos um pouco desgrenhados e mexendo na bolsa. A foto não era erótica nem nada sensual (não focando em sua bunda, por exemplo), como ela pensou que poderia ser. E desistiu de entender aquele rapaz, de aparência normal, mas que tinha um espírito de bicho-grilo, como ela pensou.
- Pode ficar com essas fotos. Realmente não sei o que você viu nesse tal "momento" aí.
- Obrigado pelas fotos. Você realmente tem pernas muito lindas.
- Pernas de aranha - ela disse, enquanto subia em sua condução que acabava de chegar e já partia.
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