Ao assistir o filme francês Loup - Uma Amizade para Sempre (apenas Loup, ou Lobo, no original), a sensação que eu tive foi a de assistir a um filme Disney dos anos oitenta: paisagens grandiosas e exuberantes da natureza como cenário para uma história adolescente meio fraca, mostrando a amizade entre um ser humano e um animal. Ou seja, um filme legal se você ainda não alcançou os dez anos de idade.
O cenário desta vez é são os vales e montanhas da Sibéria, onde algumas tribos nômades Evens lutam para sobreviver, criando renas. Fora o ambiente já pouco agradável (Sibéria!), o maior inimigo dos Evens são os lobos, que no rigoroso inverno veem as renas criadas pelos homens como um excelente banquete. Em uma tribo, o jovem Sergei (Nicolas Brioudes) é escolhido pela primeira vez como guardião do rebanho (ou seja lá como for o nome do coletivo) de renas. A sua missão é subir para as montanhas, onde os animais estão, e vigiá-los, cuidando para que nenhum outro animal selvagem ataque a criação, enquanto o resto da tribo fica numa região menos rigorosa. Lá na montanha, Sergei se depara com uma loba. Ao segui-la, ele encontra a loba com seus pequenos e fofos filhotes e não tem coragem de atirar. Ao contrário, encantado por eles, começa a tentar se aproximar dos animais.
Infelizmente, a tradição da tribo de Sergei é atirar antes e perguntar depois, quando se trata de lobos. Assim, ele procura esconder os seus "animais de estimação" de um rival invejoso da sua posição (ser guardião é um bom status na tribo), de uma amiga de infância chamada Nastazya (Pom Klementieff), que desde o primeiro momento já sabemos que será o interesse romântico do rapaz e do seu pai (interpretado por Min Man Ma), rigoroso em sua política de que lobo bom é lobo morto.
O ponto forte de Loup - Uma Amizade para Sempre é definitivamente a sua fotografia. Tanto ao retratar as paisagens de vales e montanhas siberianas, em diferentes estações do ano (absurdamente lindas no inverno, cobertas de neve), em planos gerais, enfocando a beleza natural do cenário, quanto ao retratar em planos ainda bem abertos, Sergei, os lobos e a natureza em sua volta. Muito provavelmente ajuda o fato de que o diretor Nicolas Vanier (que também co-escreveu o roteiro) ser um documentarista (este é o seu primeiro longa de ficção).
O ponto fraco do filme é seu roteiro, que além de inverossímil, é bastante clichê. Clichê porque a maioria dos clichês desse tipo de filme estão ali: a amizade homem-animal que começa reticente, depois se torna mais forte; a ameaça de outros homens que não entendem e/ou não tem a sensibilidade de ver os animais como algo que não peles e bocas; o interesse romântico que acaba compartilhando a amizade junto com o protagonista; o discurso de que o homem está acabando com a natureza, e que se não tomar jeito, vai pro buraco junto, etc. De fato, ao enumerar esses clichês, vejo que tem um bocado de Dança com Lobos no filme.
O problema do roteiro vai além dos clichês. Os personagens são muito mal construídos e inverossímeis. Sergei, por exemplo, apesar de já ter se tornado adulto com as suas responsabilidades, age como uma criança mimada. Teima em não ver ou não enxergar as consequências de seus atos para com o resto da tribo. Seria até muito bonito ver um personagem cuidando de animais mesmo sacrificando a própria sobrevivência e de sua tribo... Não, não seria. Especialmente se esse personagem não cresceu num ambiente "folgado" como é a civilização ocidental, em que a sobrevivência passa longe da batalha que é, num ambiente selvagem como o retratado. E nem vou mencionar o fato de um adolescente cheio de hormônios dispensar a bela garota claramente caidinha por ele porque estava preocupado com os lobinhos... Outro personagem que serve de buraco pro roteiro é o rival de Sergei. Dependendo da necessidade do roteiro, ora é apenas um invejoso de Sergei, ora é um cara apenas preocupado com o bem da tribo... Não se define muito bem. Assim como o pai de Sergei, que tem uma espécie de epifania no final do filme, em que muda de opinião, com uma simples visão de um momento de dificuldade do filho. Difícil de engolir.
Eu diria que os melhores personagens de Loup - Uma Amizade para Sempre são os lobos. Retratados como os animais que são, em boa parte da projeção o comportamento deles é o esperado. Ou seja, não são antropomorfizados em suas reações. Infelizmente, a obrigatória cena em que o protagonista tem que salvar um dos animais pra depois este retribuir, acaba colocando toda essa caracterização em jogo. Difícil acreditar que um lobo iria colocar a barriga pra esquentar as mãos de Sergei, depois deste ter caído na água gelada (mesmo que para salvar o animal). De resto, os animais se saem bem, mesmo que não devam ter sido muito obedientes ao diretor (nota-se que a edição às vezes corta os planos para algum zoom ou outro plano, porque o animal não "estava exatamente na sua marcação").
Hmmm, e falando nos animais, será que o PETA aprovou o filme? Apesar da equipe de lobos ter sido bem tratada (nos créditos aparecem os nomes dos lobos atores e seus tratadores), desconfio que as pobres renas tenham sofrido. Se alguém me disser que a cena do estouro das renas do cativeiro não teve nenhum animal machucado, eu diria que foi uma sorte enorme. E, se aconteceu algum dano a algum animal, é até irônico considerando um dos temas do filme, que é justamente a proteção à natureza (não só dos animais e da convivência humano-lobos, mas de todo o ambiente, simbolizado pelos rápidos discursos quanto à chegada de estradas e indústrias em regiões perto dos territórios onde a tribo perambulava).
Loup - Uma Amizade para Sempre é um filme suave, na categoria de filmes fofos (a platéia faz um óuuunnn quando aparecem os filhotes de lobos brincando com uma borboleta, por exemplo), mas ainda assim, um filme infantil (naqueles em que o personagem principal nota um outro conjunto de pegadas, a câmera corta para o lobo macho correndo pelo rio/vale e finalmente entra em cena no exato momento). O discurso do filme, traçando paralelos entre homens e animais como seres vivos diferentes, mas com uma essência parecida (e a cena em que planos mostrando Sergei e Nastazia rolando e brincando - eu disse brincando - na grama, intercalado com planos mostrando os lobinhos também rolando um em cima do outro ilustram toda essa ideia), pra uma audiência mais infantil, até pode dar certo. Mas se você já passou dos dez anos (ou oito, ou sete, sei lá, as crianças hoje em dia não são como as da minha época), pode até achar o filme fofo/meigo. Mas vai saber, lá no fundo do seu consciente, que ele é meia boca.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete.
P.S. No começo é estranho ouvir o pessoal supostamente siberiano falando em francês, mas logo a gente se acostuma. =P
Nenhum comentário:
Postar um comentário