Filmes de amizade, em que dois personagens que pouco têm em comum acabam se encontrando e se tornando grandes amigos, não são raros. Esses filmes podem variar de dramas pesados a comédias pastelões. O filme francês Minhas Tardes com Margueritte (ou no original, La Tetê en Friche) é um desses filmes que não está em nenhum desses extremos, apresentando de maneira leve o drama de seus personagens, mas com ótimos alívios cômicos salpicados ao longo do roteiro.
Ao contrário da fama de que os filmes franceses são um tanto sisudos, Minhas Tardes com Margueritte nos apresenta de maneira leve a vida nem tão fácil assim de Germain (Gérard Depardieu). Apesar de ter um bom coração, Germain não tem nenhuma mente brilhante. Sendo chamado de burro desde criança por todos (inclusive sua mãe), Germain é realmente lerdo para entender algumas coisas, e provavelmente a sua natureza tímida e passiva lhe enalteça essa "lerdeza" (além de ter um provável grau de dislexia). Apesar disso, ele toca a vida como pode, cuidando de seu jardim (onde planta legumes e vegetais que vende numa feira) e realizando pequenos serviços como trabalho, se encontrando com colegas no bar/restaurante local (mesmo que esses colegas zombem dele), e até mesmo namorando com uma bela moça. De fato, o personagem que Depardieu cria é a síntese daquele personagem que eu chamo de ursão de pelúcia: grande, mas bondoso e meio bobinho.
A vida de Germain começa a mudar quando ele conhece a Margueritte (Gisèle Casadesus) do título, uma velha senhorinha que passa suas tardes lendo em uma praça. Germain se encanta com a leitura de uma passagem de um livro por Margueritte, que por sua vez gosta de ler em voz alta. Por causa da dificuldade para ler (o que me fez dizer que provavelmente o personagem era meio disléxico), Germain nunca conheceu o mundo de histórias que os livros contém, mas através da leitura de Margueritte, ele começa a descobrir um novo mundo. É a velha história (clichê e verdadeira) de que a leitura pode mudar a vida das pessoas. (Mesmo que a leitura seja feita por outra pessoa. Aliás, é interessante em um momento a fala de Margueritte, que afirma a Germain quando ele diz que não sabe ler livros, que escutar também é uma forma de leitura, a forma de leitura em que as crianças aprendem a escutar as histórias lidas por adultos, viciando-as nas histórias que elas irão procurar depois, por si sós.)
Minhas Tardes com Margueritte tem na atuação de seus protagonistas, um dos seus elementos mais mais fortes. Depardieu se sente completamente em casa vivendo o tipo bonachão de bom coração e meio tapado. Gisèle Casadesus também faz uma velhinha adorável e lúcida, sem nunca parecer piegas demais. Destaque também para Claire Maurier, que vive a mãe de Germain.
Dirigido por Jean Becker (que também co-assina o roteiro), Minhas Tardes com Margueritte, pouco se aprofunda no drama de outros personagens que não Germain. Os amigos de Germain, por exemplo, ganham rápidos toques em pequenos dramas que mais servem para fazer um alívio cômico com Germain não entendendo de primeira a situação, do que uma subtrama relevante. Mesmo o drama de Margueritte, com seu problema nos olhos (o que a faz ter cada vez mais dificuldades em seu hábito tão amado, a literatura) pouco é explorado. De fato, até o arco final, os problemas mais graves de Margueritte nem chegam a aparecer na trama. Essa decisão do diretor, de enfocar apenas no personagem de Depardieu, torna o filme mais raso, sim. Entretanto, também o torna mais leve, o que não é uma desvantagem.
De fato, o filme toma uns ares de fábula (sem no entanto o surrealismo de uma Amélie Poulain, por exemplo). Ajuda para isso a boa montagem do filme, que intercala em momentos precisos flashbacks da infância de Germain, que explicam de maneira fluida situações do presente. Além disso, as sessões de leitura também são intercaladas com imagens saídas das obras que Margueritte lê, como se fossem as visualizações criadas pela mente de Germain, como a infestação de ratos na leitura de A Peste, de Albert Camus.
Baseado no livro de Marie-Sabine Roger, Minhas Tardes com Margueritte é um filme com um clima bem leve, um feel good movie (ou seja, aqueles filmes feitos pra você sair da sessão com a alma leve e um pouco mais feliz), sobre amizades improváveis e por que não, amor? (Não seriam amizades verdadeiras uma forma de amor também?) E se não bastasse isso, é também uma história de amor às palavras e à literatura. De certa forma, uma poesia em forma de filme.
Trailer:
Para saber mais: crítica do Rubens Ewald Filho e no Omelete.
Um comentário:
Gosto muito dos filmes de Depardieu sem contar o quanto gosto do francês. Pelo que vi no trailer, entende-se muito bem o que ambos dizem, ele e Gisèle Casadesus, e isso é adorável.
Me deu muita vontade de ver esse filme, ainda mais que vc disse que é um filme do qual a gente sai mais leve e um pouco mais feliz. To precisando dessa dose.
Beijokas e obrigada pela dica.
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