2011-12-06

Livro: Fim de Caso

Fim de Caso, de Graham Greene, com certeza é um dos meus livros preferidos. Já há algum tempo tinha pego algumas citações do livro pra fazer um post, mas acabei esquecendo e na minha mente retorcida, já tinha feito. Até que ontem ao ler este post citando o livro, da minha querida K., resolvi ver quais citações eu tinha separado e não achei no blog. Conclusão: eu devo ter sonhado que fiz este post. Mas, antes tarde do que nunca, então agora é a hora de reparar este terrível erro. :)

julianne moore ralph fiennes fim de caso

Fim de Caso é sobre um triângulo amoroso (eu ousaria dizer um quadrado amoroso, sendo que uma das pontas - que é uma das surpresas do livro - você descobre lá pelo meio dele, e é um personagem meio imaginário, eu diria). O livro é escrito em primeira pessoa e o narrador principal e protagonista Maurice Bendrix, um escritor. No início, vemos que ele teve um caso com Sarah Miles, esposa de Henry Miles, um funcionário público que se tivesse de ser classificado com apenas uma palavra, seria insosso. Mesmo que o caso de Bendrix com Sarah tenha terminado, o escritor nutre ainda grandes sentimentos por ela, e esses sentimentos são uma mistura de amor, paixão e ciúme, doentios.

Depois de em certa ocasião encontrar com o Henry, que lhe confessa que acha que Sarah está lhe traindo (lembrando que o caso com Bendrix já havia terminado), Bendrix, enciumado, resolve procurar um detetive particular para seguir Sarah, a pretexto de ajudar o amigo Henry. O resultado, como você já deve esperar, é ao mesmo tempo um drama profundo e uma bela história de amor, longe do convencional e sem ser piegas em nenhum momento, com um toque de surreal. Dizer mais é estragar as surpresas.

julianne moore ralph fiennes fim de caso

O livro foi adaptado para os cinemas em 1999, com Ralph Fiennes como Bendrix, Julianne Moore como Sarah e Stephen Rea como Henry. A adaptação, se eu me lembro bem do filme, é bem fiel ao livro e bem dirigida, com destaque para o ótimo trabalho dos atores, especialmente Fiennes. Todas as imagens deste post, exceto a capa do livro, são do filme.

Fim de Caso, o livro, tem um dos melhores textos que já li. A fluência é boa, as (várias) reflexões do personagem/escritor/autor, mesmo aquelas que não tratam diretamente da trama, são inseridas organicamente no texto, sem soarem pretensiosas demais, mas ainda assim, extremamente filosóficas. A estrutura do livro prende a atenção, revelando coisas em flashbacks ou mudando do ponto de vista, em momentos em que o texto passa a ser de autoria de Sarah (seja no seu diário, seja em uma carta). Some-se a tudo isso o fato de termos personagens tridimensionais extremamente carismáticos (mesmo o insosso Henry se revela bem interessante na trama, o que pode soar quase paradoxal, mas é explicado pelo fato de que a falta de carisma não torna o seu personagem menos rico em profundidade).

julianne moore ralph fiennes fim de caso

Vejam alguas citações que separei (grifos meus):

Um início:

Uma história não tem princípio nem fim: arbitrariamente, escolhe-se o momento vivido de onde se deve olhar para trás ou para a frente. Eu digo "escolhe-se" com o orgulho de um escritor profissional que tem sido elogiado – quando observado com seriedade – pela sua habilidade técnica, mas será que, de fato, escolho aquela noite escura e úmida de janeiro no Common, em 1946, a figura de Henry Miles atravessando, inclinada, o grande rio de chuva, ou são essas imagens que me escolhem? É conveniente e correto, segundo as regras do meu ofício, começar exatamente aqui, mas se algum dia eu tivesse acreditado em um Deus, poderia também ter acreditado numa voz, sugerindo ao meu ouvido: "Fale com ele: ele ainda não viu você."

Por que motivo eu teria falado com ele? Se ódio não é um termo amplo demais para se usar em relação a um ser humano, eu odiava Henry – também odiava sua mulher, Sarah. E ele, eu acho, logo depois dos acontecimentos daquela noite, passou a me odiar: da mesma forma que, sem dúvida, deve ter, às vezes, odiado sua mulher e aquele outro, em quem, naquela época, tínhamos a sorte de não acreditar. Assim, esta é muito mais uma história de ódio do que de amor, (...)

Às vezes um desconforto impede a lembrança de outro:

Para mim, o conforto é como a lembrança errada no lugar ou na hora errada: se alguém está solitário, prefere o desconforto.

julianne moore ralph fiennes fim de caso

O marido e o ex-amante, e seus sofrimentos:

– Como vai Sarah? – perguntei porque poderia soar estranho não fazê-lo, embora nada pudesse me agradar mais do que saber que ela estava doente, infeliz, morrendo. Eu achava, naquela ocasião, que qualquer sofrimento dela aliviaria o meu, e que, se ela morresse, eu poderia ser livre: deixaria de imaginar todas as coisas que uma pessoa sob minhas ignóbeis condições imagina. Poderia até gostar do coitado do Henry, se Sarah estivesse morta.

– Ah, ela foi passar a noite em algum lugar – respondeu. E acionou, mais uma vez, aquele demônio que havia em minha mente, imaginando as várias ocasiões em que Henry teria dado esta mesma resposta a outras pessoas, enquanto só eu sabia onde Sarah estava.

Essa dor de ciúme, de ódio e amor, em que você ao mesmo tempo ama e quer ver o objeto do seu amor infeliz, pra dizer o mínimo... Isso é patético. Eu digo isso porque, como todo o resto da humanidade, não deixo de ser patético.

Sobre posses:

..., eu tive a sensação de que quase nada havia sido usado. Duvidava que o conjunto de Gibbon tivesse sido sequer aberto, e o conjunto de Scott só estava ali porque, provavelmente, havia pertencido a seu pai, assim como a cópia de bronze do Arremessador de Disco. E, no entanto, ele se sentia mais feliz nessa sala sem uso simplesmente porque era sua: uma possessão sua. Eu pensei, com amargura e inveja: quando se possui realmente uma coisa, não se precisa usá-la nunca.

julianne moore ralph fiennes fim de caso

Quem não é convencional, geralmente escarnece o convencional, mas também o almeja:

...Talvez estivesse envergonhado do que me havia contado, pois era um homem convencional. Escrevo esse adjetivo com escárnio, e, no entanto, observando-me, só encontro admiração e confiança para com o convencional, como as cidadezinhas que se vêem na estrada quando se passa de carro, e que parecem tão tranqüilas, todas em pedra e sapê, sugerindo paz.

O inconsciente trabalhador que ajuda o escritor a escrever ou a planejar a sua vingança de dor e paixão:

Lembro-me de que sonhei um bocado com Sarah naqueles dias ou semanas obscuros. Às vezes, acordava com uma sensação de dor, outras, de prazer. Se uma mulher está o dia inteiro em nossos pensamentos, não se deveria sonhar com ela à noite. Eu tentava escrever um livro que simplesmente não saía. Escrevia diariamente minhas quinhentas palavras, mas os personagens nunca adquiriam vida. No ofício de escrever, muita coisa depende da superficialidade do dia do autor. Pode-se estar preocupado com compras e devoluções de imposto de renda e com conversas ocasionais, mas o curso do inconsciente continua a fluir imperturbável, solucionando problemas, planejando para o futuro: a gente se senta, estéril e deprimido, na escrivaninha e, de repente, as palavras surgem como se viessem do ar: as situações que pareciam bloqueadas num impasse insolúvel andam para a frente: o trabalho foi feito durante o sono ou enquanto a gente fazia compras ou conversava com os amigos. Mas o ódio e a suspeita, a paixão por destruir foi mais forte que o livro – foi nela que o inconsciente trabalhou, até que, uma manhã, acordei e soube, como se tivesse planejado na véspera, que naquele dia eu iria visitar o Sr. Savage.

(Savage, o detetive particular.)

Descrição perfeita de como o inconsciente atua no processo de criação, não só da palavra, mas de um modo geral.

julianne moore ralph fiennes fim de caso

Amor e ódio, é clichê dizer, mas é verdade: duas faces da mesma moeda:

Gostaria de ter deixado o passado em paz, pois ao escrever a respeito do ano de 1939, sinto voltar-me todo o ódio. Ele parece mexer com as mesmas glândulas que o amor: produz até as mesmas ações. Se não nos tivessem ensinado a interpretar a história da Paixão, será que seríamos capazes de dizer, julgando apenas pelas ações, se foi o ciumento Judas ou o covarde Pedro quem amou a Cristo?

Sobre o ciúme que existe aliado ao desejo, de dois homens pela mesma mulher, mas por motivos diferentes:

O ciúme, assim eu pensava, só existe se aliado ao desejo. Os autores do Velho Testamento gostavam de usar a expressão "um Deus ciumento", e talvez esse fosse um modo rude e indireto de expressar a sua crença no amor de Deus pelo homem. Mas acho que há diferentes tipos de desejo. O meu desejo, agora, estava mais próximo do ódio do que do amor, e Henry – eu tinha razões para acreditar nisso –, pelo que Sarah me havia dito, há muito tempo deixara de sentir qualquer desejo físico por ela. No entanto, acho que, naquela época, ele estava com tanto ciúme quanto eu. Seu desejo era simplesmente por companheirismo: ele se sentiu, pela primeira vez, excluído da presença de Sarah: estava preocupado e desesperado – não sabia o que estava acontecendo nem o que iria acontecer. Vivia em um estado de terrível insegurança. Nesse sentido, sua situação era pior que a minha. Eu tinha a segurança de não possuir nada. Não podia ter nada além do que já havia perdido, enquanto ele ainda tinha a presença dela à mesa, o som de seus passos na escada, o abrir e fechar de portas, o beijo no rosto – duvido que houvesse muito mais do que isso agora, mas esse pouco significa muito para um homem faminto.

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Sobre a felicidade, a infelicidade e o amor:

A sensação de infelicidade é muito mais fácil de se transmitir do que a de felicidade. Na tristeza, parecemos estar conscientes da nossa própria existência, muito embora sob a forma de um monstruoso egocentrismo: esta dor é minha, este nervo que estremece pertence a mim e a mais ninguém. Mas a felicidade nos anula: perdemos nossa identidade. Palavras de amor humano foram usadas pelos santos para descrever sua visão de Deus; e da mesma forma, suponho, poderíamos usar termos de prece, meditação, contemplação, para explicar a intensidade do amor que sentimos por uma mulher. Também renunciamos à memória, ao intelecto, à inteligência e também sentimos a privação, a noche oscura e, às vezes, como uma recompensa, uma espécie de paz. O ato do amor em si mesmo tem sido descrito como a pequena morte, e os amantes, às vezes, experimentam também uma pequena paz. É estranho me ver escrevendo estas frases como se amasse o que, de fato, odeio. Às vezes não reconheço meus próprios pensamentos.

Sobre o ciúme doentio do protagonista e sua falta de confiança:

...muitas e muitas vezes voltei para casa em outros dias com a certeza de que era apenas um dentre muitos homens – o amante favorito do momento. Essa mulher, que eu amava tão obsessivamente – se acordasse à noite, imediatamente encontrava sua imagem em meu cérebro e desistia de dormir – parecida dedicar todo o seu tempo a mim. E, no entanto, não conseguia confiar: no ato do amor eu podia ser arrogante, mas, sozinho, bastava que me olhasse no espelho para ver a dúvida, na forma de um rosto marcado e de uma perna aleijada – por que eu? Havia sempre ocasiões em que não podíamos nos encontrar – horas marcadas com um dentista ou uma costureira, ocasiões em que Henry recebia visitas, ou quando eles estavam sozinhos juntos. Não adiantava dizer a mim mesmo que em sua própria casa ela não teria oportunidade de me trair (com o egoísmo de um amante, eu já usava essa palavra com a presunção de um dever inexistente) enquanto Henry trabalhava nas pensões das viúvas ou – pois ele logo foi retirado deste trabalho – na distribuição de máscaras contra gases e no projeto de caixas de papelão, pois eu sabia que era possível fazer amor nas circunstâncias mais perigosas, se houvesse desejo. A desconfiança cresce com o sucesso de um amante.

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As idiotices que as pessoas fazem quando estão sofrendo por amor:

Naquela tarde, quando cheguei em Piccadilly, ainda estava cheio de ódio e desconfiança. Mais do que tudo no mundo eu queria ferir Sarah. Queria levar uma mulher na volta para casa e deitar-me com ela na mesma cama em que fazia amor com Sarah; era como se soubesse que o único meio de feri-la seria ferindo a mim mesmo.

(...)

Fomos para o pub que ficava no fim da rua e pedi dois uísques, mas, enquanto ela bebia, eu não podia ver seu rosto no lugar das feições de Sarah. Ela era mais moça, não devia ter mais de 19 anos, era mais bonita, poder-se-ia até dizer menos acabada, mas só porque havia muito menos o que desgastar; descobri que não desejava sua companhia mais do que a de um cachorro ou de um gato.

(...)

Olhando-a por cima do meu uísque, pensei como era estranho não sentir qualquer desejo por ela. Era como se, de repente, depois de todos os anos promíscuos, eu tivesse crescido. Minha paixão por Sarah havia matado para sempre a simples luxúria. Nunca mais eu seria capaz de usufruir de uma mulher sem amor.

No entanto, certamente não era amor o que me trouxera àquele pub; eu havia dito a mim mesmo durante todo o caminho, desde a praça, que era ódio, como ainda digo a mim mesmo, escrevendo esta história, tentando tirá-la para sempre de minhas entranhas, pois sempre repeti que se ela morresse eu poderia esquecê-la.

Por favor, não deixem nunca a simples luxúria morrer.


ATENÇÃO! Os trechos abaixo podem ser considerados SPOILERS. Leia por sua conta e risco!



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Confissões de Sarah (agora ela se torna narradora), sobre o amor ao marido, ao amante e Deus:

Eu lhe disse uma vez:

- Você já teve um caso com uma secretária?
- Caso?
- Caso de amor.
- Claro que não. Por que você está pensando isso?
- Não sei. Eu só estava imaginando.
- Nunca amei outra mulher – disse, e começou a ler os jornais. Não pude deixar de pensar se meu marido é tão pouco atraente que nenhuma mulher jamais o desejou. Exceto eu, é claro. Eu devo tê-lo desejado, num certo sentido, uma vez, mas me esqueci da razão, e era jovem demais para saber o que estava escolhendo. É tão injusto. Enquanto eu amava Maurice, amava Henry, e agora que sou o que chamam de boa, não amo ninguém. E muito menos Você.

Por Você, entenda-se Deus, para quem esta conversa era dirigida (faz parte do diário de Sarah).

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A última carta de Sarah a Maurice, que a lê depois de sua morte:

"(...)

Procurei um padre há dois dias, antes de você me telefonar, e disse a ele que queria ser católica. Contei sobre minha promessa e sobre você. Disse-lhe que não estava mais realmente casada com Henry. Não dormimos juntos, desde o primeiro ano com você. Não foi um casamento de verdade, eu disse, não se pode chamar assim um casamento feito apenas no cartório. Perguntei se podia ser católica e me casar com você. Sabia que você não se importaria de participar dessa cerimônia. Toda vez que fazia uma pergunta tinha muita esperança; era como abrir as persianas de uma casa nova e olhar a vista. Mas cada janela dava para uma parede vazia. Não, não, não, ele disse, eu não podia casar com você, não podia continuar a vê-lo, se quisesse ser católica. Para o diabo com todos eles, pensei. Saí da sala e bati a porta para mostrar o que eu pensava dos padres. Eles estão entre Deus e nós, pensei; Deus tem mais misericórdia. Saí da igreja, vi o crucifixo e pensei: é claro, Ele tem misericórdia, só que é um tipo muito esquisito de misericórdia, às vezes mais parece um castigo. (...) A fé se entranhou em mim como uma doença. Do mesmo modo como me apaixonei. Nunca amara antes como o amo e nunca antes acreditei em nada como agora. Tenho certeza. Nunca tive certeza de nada. Quando você entrou por aquela porta com sangue no rosto, tive certeza. Para sempre. Mesmo sem saber disso na época. Lutei contra a fé mais tempo do que lutei contra o amor, mas não tenho mais forças.

Maurice, querido, não fique zangado. Sinta pena de mim, mas não se zangue. Sou uma fraude e uma impostora, mas isso não é uma fraude. Eu me considerava segura a meu respeito e a respeito do que era certo ou errado, e você me ensinou a duvidar. Você me livrou de todas as mentiras e fingimentos, como se tira o entulho de uma estrada para que alguém importante possa passar e agora ele chegou, mas foi você quem abriu o caminho. Quando escreve, você procura a precisão; você me ensinou a desejar a verdade, e me mostrava quando eu não falava a verdade. Você realmente pensa assim? – você costumava dizer – ou apenas pensa que pensa assim? Então, como está vendo, é tudo culpa sua, Maurice, é tudo culpa sua. Peço a Deus que Ele não me mantenha viva desse jeito."

4 comentários:

K. disse...

querido é você!

fiz várias anotações sobre esse livro também. Amei. Engraçado como as citações (o que chama atenção) coincidem ou diferem de pessoa a pessoa - o que torna cada livro absolutamente pessoal.

Seu texto deu até vontade de voltar a escrever apenas sobre livros (preguiça).

beijo, beijo. love.

Ju ♥ disse...

vou comprar, mas vai demorar pra ler, pq tem 7 na frente...

Andarilho disse...

É baratinho, comprei numa promo ainda que não me custou 15 (se bem que já faz mais de um ano).

Ju ♥ disse...

vou procurar e ver se consigo logo, senão esqueço e aí já viu... mas acho q vai demorar pra ler, o livro mais fino q tenho pra ler aqui tem 490 páginas, e são sete nesse naipe, imagina. kkk
valeu pela dica.