2013-09-18

Filme: Tanta Água

Do lado de lá da tela, rostos cansados e aborrecidos, frustrados por não terem muito o que fazer enquanto a chuva cai incessantemente. Do lado de cá da tela, um sentimento dividido entre a curiosidade e o cansaço. Assistir o filme Tanta Água (Tanta Agua no original em espanhol) exige um pouco mais do espectador, não exatamente em termos cognitivos, mas com uma paciência e dedicação de um observador/pesquisador científico interessado em pessoas comuns e suas dinâmicas e relacionamentos.

filme tanta água poster cartaz

Tanta Água nos leva a conviver com Alberto (Néstor Guzzini), pai divorciado de dois filhos, a adolescente geniosa (e qual adolescente não é?) Lucía (Malú Chouza) e seu irmão mais novo, Federico (Joaquín Castiglioni), durante um período de mais ou menos uma semana, em que Alberto leva os filhos para passarem férias em uma instância termal no Uruguai. Claramente desacostumados a conviverem juntos (os filhos moram com a mãe), a falta de intimidade e o desconforto são visíveis, especialmente quando a chuva não para de cair e a família é obrigada a passar um bom tempo junto numa diminuta cabana no balneário ou então dentro do carro, criando um clima um tanto constrangedor e claustrofóbico.

filme tanta água chuva

Com um ritmo lento, o filme tem dois momentos distintos. No primeiro, o foco se dá em Alberto. Aqui vemos um pai tentando se reconectar com os filhos, ainda que esse esforço não se dê através de um caloroso contato. Ao contrário, como pai, ele tenta impor alguma disciplina aos filhos. É também visível um certo ressentimento dele para com a ex-mulher (que envia muitos lanches, por exemplo, o que Alberto de certa forma vê como um desprezo, como se ele não pudesse ou soubesse alimentar direito os filhos). É um retrato bastante interessante de um homem que tenta ser um bom pai, mesmo com suas limitações inerentes, tudo isso contado de maneira sutil, sem explicações expositivas, como tem sido o padrão em filmes recentes, sobretudo os blockbusters.

filme tanta água guzzini

No meio do filme em diante, o foco passa a ser Lucía. Depois de resolver alguns dos conflitos de Alberto, as diretoras e roteiristas Ana Guevara e Leticia Jorge passam a colocar a lente de aumento sobre a personagem adolescente, que como todo adolescente, está fadada a cometer erros idiotas. No caso de Lucía, ela age de maneira não muito correta com uma recente "amiga", ao se apaixonar por um rapazinho, mentindo também para o pai e até mesmo se arriscando (como mostra a cena em que ela desembarca de um ônibus em direção a uma balada).

O grande mérito de Tanta Água é, sem dúvida, o elenco e suas atuações. Néstor Guzzini, como Alberto, é excelente: seu olhar cansado, mas que se renova a cada pequena conquista no relacionamento com os filhos, é ótimo. Malú Chouza com sua Lucía também exibe uma grande performance, ao retratar uma jovem adolescente que passeia por humores, do tédio de passar férias com os familiares, até a alegria infantil que exibe com as brincadeiras com o irmão mais novo, passando pela tentativa de entrar no mundo adulto com seus amores e relacionamentos, tudo isso de maneira tridimensional. Joaquín Castiglioni, como o filho mais novo Fede, também não faz feio.

filme tanta água chouza

Talvez eu não tenha gostado do ritmo lento de Tanta Água por já estar cansado e com fome (dica: levar uma barra de cereal se for assistir 3 filmes seguidos num lugar onde não tem bomboniere), achando que o filme se arrasta demais. Outro problema é a mudança de foco: ao passar de Alberto para Lucía, a impressão que fica é de termos dois filmes distintos, ou como se fossem dois episódios de uma série, e não uma história única. De fato, por si só, isso não é um problema. Mas ao fazer isso, o filme deixa de explorar mais o relacionamento inter-familiar, que vinha sendo trabalhado de forma interessante, para se focar na adolescência feminina, que acaba se mostrando não tão interessante, com um desenvolvimento e um final previsíveis.

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Tanta Água é o trabalho de estreia das suas realizadoras, Ana Guevara e Leticia Jorge, em longa-metragens. O filme pode se mostrar um pouco enfadonho à primeira vista. De fato, assim como o relacionamento dos personagens em sua dinâmica familiar, Tanta Água melhora aos poucos. Mas tem uma recaída adolescente no final, que apesar de acrescentar mais dinamismo ao ritmo, se mostra mais desinteressante como história. No fim das contas, é um filme razoável, ao mostrar, de maneira bem realista, um relacionamento familiar. Mas não esqueçamos que a realidade, não raramente, pode ser bem aborrecedora, dependendo do seu olhar, e que dias de chuva alcançam a todos nós.

Trailer:



Para saber mais: site oficial de Tanta Água.


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