Desde que o velho e bom Stan Lee criou os X-Men com seus mutantes que desenvolviam poderes na puberdade, essa boa (e agora já velha) metáfora das mudanças que acontecem nessa fase da vida têm permeado histórias juvenis de heróis. E o último representante dessa linha é o novo filme e livro Eu Sou o Número Quatro (originalmente, I Am Number Four). Pra economizar, e como ando com preguiça de escrever, faço um post só para os dois, livro e filme, já que apesar das diferenças, boa parte da essência da história permanece a mesma.
Em Eu Sou o Número Quatro, os habitantes do planeta Lorien foram dizimados numa invasão pelos perversos e guerreiros habitantes do planeta Mogadore. Entretanto, no meio da invasão, conseguiram enviar para a Terra (o planeta mais próximo de Lorien, tirando Mogadore), nove crianças especiais, acompanhadas cada uma, de um tutor. Essas crianças faziam parte de uma elite loriena chamada Garde. Os membros dessa elite ao chegarem na adolescência, desenvolvem poderes chamados Legados. Poderes esses que são à la X-Men: invisibilidade, telecinésia, força e agilidade, pra citar alguns. A esperança era que essas nove crianças crescessem na Terra e, ao ficarem adultas e com plenos poderes, derrotassem os mogadorianos. Mas os mogadorianos chegam à Terra e começam a caçar essas crianças, de preferência antes que elas desenvolvam os seus Legados. O livro/filme acompanha parte da vida da quarta dessas crianças lorienas que chegou a Terra. Mais especificamente, a época em que ele começa a desenvolver seus Legados.
Já adianto que uma das maiores diferenças entre o livro e o filme é que o filme abandona um dos gêneros aos quais o livro pertence. Se o filme é um filme de ação/aventura com toques de ficção científica e romance adolescente, o livro tem além desses pontos, o gênero fantasia embutido. Se no filme a explicação para os poderes dos garotos(as) é simplesmente ser extra-terrestre, no livro a explicação é: eles são extra-terrestres E de Lorien, porque lá existe magia. Não mágica ou ilusionismo, mas magia. Que é a fonte dos poderes Legados. E como toda essa parte de magia/fantasia foi retirada do filme, sinto que ficou faltando o porquê do número 4. No filme, não tem explicação, ou ela é implícita (a de que as crianças seriam meros números, sem nomes, o que é uma explicação bem capenga, considerando que isso desumaniza a pessoa, vide prisioneiros que são apenas números em cadeias). No livro, a explicação é que, ao sairem de Lorien, para proteger as crianças, um Ancião lançou um feitiço nelas: a de que elas só poderiam ser mortas ou machucadas numa ordem pré-estabelecida, a não ser que elas ficassem juntas num mesmo ambiente. Ou seja, não só explica o número, mas também porque o número quatro é a quarta criança a ser perseguida.
Sim, porque logo no começo de Eu Sou o Número Quatro, vemos o número 3 sendo perseguido e morto por mogadorianos. A cada um dos nove mortos, aparece acima do tornozelo dos restantes uma marca, indicando que um deles foi morto. E isso acontece para o número 4 (interpretado no filme por Alex Pettyfer) enquanto ele está numa festa. Ao saber do ocorrido, o seu tutor Henri (interpretado no filme por Timothy Olyphant) decide mais uma vez se mudar, coisa que é rotina para os dois. Eles estão sempre se mudando e trocando de identidade para despistar os mogadorianos. Desta vez, eles vão para a pequena cidade de Paradise, Ohio, onde o 4 assume o criativo nome de John Smith (o equivalente a "José da Silva" americano). Nesta cidade, ele fará amizade com o obcecado por alienígenas e OVNIS Sam (interpretado por Callan McAuliffe), se apaixonará pela garota mais linda do colégio, Sarah (Dianna Agron), e por causa disso, enfretará o valentão da escola (e claro, astro de futebol americano) Mark (Jake Abel).
Tanto o livro quanto o filme enfocam bastante o lado "drama adolescente": o protagonista que chega num novo colégio, onde enfrenta o valentão pelo coração da menina, e no processo, também faz amizade com outros que sofrem com os valentões. Clichê? Sim, com certeza, mas como é tecnicamente bem feito, é palatável. No filme, o drama é acelerado, o que não o deixa entediante. E no livro, o autor Pittacus Lore (um pseudônimo muito engraçadinho), usa uma narrativa de capítulos curtos, com bons ganchos entre eles, dando agilidade à leitura. Além disso, no livro o drama adolescente é intercalado com a questão do surgimento dos poderes Legados, o treinamento para aperfeiçoá-los e a história de Lorien, aspectos que foram cortados no filme.
Essas lacunas deixam o filme um tanto inferior ao livro, especialmente na questão do desenvolvimento dos personagens. Com um ritmo rápido, o filme Eu Sou o Número Quatro acaba não explorando a amizade de Sam e John a contento, por exemplo, nem a relação paternal entre John e Henri. A passagem da feira municipal com o trem fantasma também é bem inferior no filme, uma vez que no livro, são mais personagens envolvidos. Apesar disso, o filme acerta em ir dando dicas de elementos que só aparecem no final do livro e que soam um tanto Deus Ex Machina no livro, mais especificamente o caso do cachorro de John (reparem no enfoque que o diretor D.J. Caruso dá ao pequeno animal) e a aparição de outra loriena, a número 6 (interpretada no filme pela bela Teresa Palmer), que surge bad-ass e chutando bundas.
Aliás, esse é outro ponto (o de chutar bundas) que considero bastante divergente entre livro e filme. No livro Eu Sou o Número Quatro a ameça mogadoriana é boa parte do tempo apenas uma ideia, mais ou menos como Sauron em Senhor dos Anéis. A ameaça se torna mais concreta apenas no final, quando o autor acelera na ação e faz um final que não admite tomada de fôlego, principalmente pelo inimigo ser mais poderoso do que até então se imaginava. No filme é quase o oposto: a ameaça mogadoriana se mostra sempre presente, em diversas cenas que mostram os mogadorianos no encalço do número 4 (inclusive na ótima cena do supermercado). Só que no final, os mogadorianos são vencidos até facilmente (se comparado com a batalha do livro, claro), dando um aspecto de "super-herói imbatível" aos lorienos. Particularmente, acho a fragilidade deles diante de um inimigo muito maior (pelo menos, no presente momento), o que torna a história mais interessante.
De certo modo, essa aura de fragilidade que o livro me passou e o filme não, do protagonista estar apenas nos seus primeiros passos na sua jornada heróica, se deve ao fato dele ter no livro uns 15 anos, e no filme, o ator Alex Pettyfer ter cara de mais velho. Além disso, outra diferença gritante entre livro e filme é que no filme, logo na sua primeira cena no jet ski, percebemos que o 4 é bem mais chamativo, atraindo a atenção das pessoas com suas manobras radicais (no livro ele também atrai a atenção, mas apenas sem querer). No filme, como um produto fechado, não creio que isso atrapalhe. O problema é numa eventual continuação: se você deixa o seu protagonista muito forte, o seu próximo inimigo também tem que se fortalecer ainda mais, senão o herói vai superar o que? E sem superação, qual é a graça? Tirando esse detalhe, a atuação no geral é boa. Destaque para as meninas, claro, já que Dianna Agron e Teresa Palmer (totalmente diferente de seu trabalho anterior em O Aprendiz de Feiticeiro) estão lindas.
Eu Sou o Número Quatro, o filme, é uma diversão bacana. Sim, tem várias pontas soltas e coisas mal explicadas (a arca loriena que Henri carrega, por exemplo), mas que são explicadas no livro. Talvez a intenção seja explorar esses aspectos numa possível continuação? O ponto é que apesar disso, o filme tem bastante ação, bons efeitos especiais e a história continua interessante. Vale uma sessão da tarde descompromissada.
Eu Sou o Número Quatro, o livro, é uma grande mistura de ficção científica, aventura, drama/romance adolescente e fantasia. É uma leitura agradável e cativante, com uma história claramente voltada ao público adolescente. E os dizeres da capa, com o "autor" afirmando ser uma história verdadeira, dá ao livro um tom engraçado. Ou será que dá pra confiar em alguém que se chama "Pittacus Lore" (lore = folclore) e cujos planetas da história sejam nomes bem tolkenianos? (Lothlorien, floresta onde vive Galadriel, e Mordor, onde reside Sauron, são nomes bem parecidos com Lorien e Mogadore, não?) Engraçadinho.
Trailer do filme:
Para saber mais sobre o filme: crítica no Omelete.
2 comentários:
Nossa, ficou muito bom o post, muito boa as comparações entre o livro e o filme.
Obrigado.
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