Uma das falas clássicas da história de Chapeuzinho Vermelho é aquela em que a garota questiona o lobo travestido de avó: "Que olhos grandes você tem, vovó. É pra te ver melhor. Que nariz grande você tem, vovó. É para te cheirar melhor", e assim por diante. Nesta versão contemporânea do conto de Chapeuzinho feito para os cinemas, A Garota da Capa Vermelha (ou Red Riding Hood no original), alguém poderia dizer ao espectador: "Que saco enorme você tem". E ele responderia: "Tem que ter, pra aguentar a encheção que é esse filme". Na melhor das hipóteses, é um filme equivocado. Muito equivocado.
A Garota da Capa Vermelha é Valerie (Amanda Seyfried), uma camponesa que vive num vilarejo na borda de uma floresta muito mal encarada. Ela nutre paixão (correspondida) pelo pobre lenhador Peter (Shiloh Fernandez), mas acaba sendo prometida para Henry (Max Irons), que tem condições financeiras melhores, se bem que ele não é o que se chamaria de rico hoje em dia, sendo um ferreiro no vilarejo. Vilarejo este, que além de tudo, mantém uma relação íntima com um lobisomen que toda lua cheia exige o sacrifício de alguns animais. Valerie e Peter tencionam fugir do vilarejo, mas os planos são interrompidos quando o lobisomen faz de vítima, a irmã de Valerie. A partir daí temos uma trama que mistura dramalhões dignos de novelas mexicanas (traição, meio irmãos, quase incestos, etc.) com o mistério de "quem será o lobisomen".
A Garota da Capa Vermelha talvez agrade pré-adolescentes femininas de todas as idades. As comparações com Crepúsculo são inevitáveis. A diretora Catherine Hardwicke, que também dirigiu o primeiro filme da citada "saga", não se esforça nem um pouco para diferenciar este filme da sua "inspiração" vampiresca. Aliás, se neste filme temos a falta de fadas (aquelas voam pela floresta e brilham ao sol), o mesmo não se pode dizer do resto. Temos uma jovem frágil e romântica que se vê no meio de um turbilhão sobrenatural, ao mesmo tempo em que é disputada por dois jovens apaixonados por ela. E, claro, não falta também o contexto de castidade e pureza da personagem principal, que de certa forma, se torna hilário ao perceber como a diretora trabalha o tema, por diversas vezes deixando o casal quase tocando os lábios, só pra interromper o beijo por algum evento inesperado. Isso, claro, até a cena toda errada da comemoração pela falsa captura do lobo, em que finalmente vemos um beijo.
Aliás, toda essa cena da comemoração é um grande equívoco. Comemorando a falsa captura do lobo, a vila se transforma num circo pagão, em que pra uma orgia só faltou o sexo mesmo. A câmera vai e volta filmando por cima, oferecendo um espetáculo caricato e de alta vergonha alheia. Talvez seja apenas a minha mente suja (não acredito), mas tem uma hora em que Valerie começa a dançar com uma amiga, pra deixar Peter enciumado ou enfezado, ou o que quer que tenha passado na cabeça do roteirista David Johnson. O que tem de errado na cena? Tudo. A insinuação lésbica, a motivação dos personagens em fazer isso, o desenrolar da cena. É um mix de coisas que até podem ter parecido boas ideias (se você está bêbado) individualmente, mas que é tão idiota e sem sentido junto...
Outra coisa que não agrada em A Garota da Capa Vermelha é a quantidade de clichês "dramáticos" e de "romance". Só nos quinze minutos iniciais da trama, já vemos a mocinha apaixonada que é prometida para outro, a mãe que convence o amor verdadeiro a deixar a mocinha se casar com o outro pra ter uma vida melhor e o mocinho dispensando a mocinha pro "bem" dela. Sim, tudo isso acontece nos primeiros minutos de projeção, e não acaba por aí. Muitas traições e revelações ainda estão por vir, numa trama que faz do filme uma autêntica novela mexicana. E claro, não falta no final a união dos mocinhos, Peter e Henry, pra tentar resgatar Valerie, deixando as diferenças entre eles de lado. Sim, feito pra menininhas suspirarem.
Além do roteiro ser carregado de clichês, ele é carregado de coisas sem sentido e sem explicação. Tome por exemplo, tudo o que envolve o padre Solomon, caçador de lobisomens e outros monstros vivido por Gary Oldman. Pra começar, o padre chega carregando dois filhos na carruagem e contando histórias da mulher morta. Ok, suponhamos que ele tenha se tornado padre depois da morte da esposa. Ainda assim não explica o fato de alguns de seus guerreiros serem negros. Na Idade Média, guerreiros negros lutando pela Igreja. Er... Será que o casting do filme tinha cotas? Ou eu estou perdendo algum momento histórico? E como explicar o elefante que o padre Solomon usa para torturar suas testemunhas? Não sou perito em aparelhos de torturas medievais indianas (pois os adereços no elefante sugerem essa origem), mas creio que isso seja muito WTF. Tanto quanto as reações do povo do vilarejo, que uma hora tratam Valerie como uma bruxa dos infernos e na outra, a protegem. Tudo bem que com razão, mas convenhamos, multidões não são conhecidas por usarem a cabeça.
A Garota da Capa Vermelha até tem um elenco razoável, mas nem o melhor elenco do mundo salva um filme desses. Gary Oldman deve ter pego gosto por fazer vilões exagerados (vide o anterior O Livro de Eli), mas o caricato se encaixa bem neste filme. Tentativas mais sérias, como a própria protagonista de Seyfried, soam deslocadas no clima caricatural do filme.
Soando caricato e falso, com vários planos que mais parecem um teatro (devido ao cenário totalmente irreal e que lhe passa isso na cara), A Garota da Capa Vermelha tem não só um texto ruim, mas uma direção sem muita direção. Se esforçando para parecer sério, mas mostrando visualmente o contrário, como na floresta com árvores espinhudas de um falsidade ímpar, o filme só não espanta os espectadores usando a artimanha do mistério de "quem é o assassino", no caso, "quem é o lobisomen". Mesmo assim, é muito fraco, e as explicações no final são de dar vergonha alheia. Sério.
Usando do artifício do "sonho vívido/profético da personagem principal" para conseguir encaixar as famosas frases do diálogo entre Chapeuzinho e Lobo disfarçado, A Garota da Capa Vermelha é uma tentativa frustrada de revitalizar ou "modernizar" o conto do secular imortalizado pelos irmãos Grimm. O melhor mesmo era ter deixado tudo como estava.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.
P.S. Se dissessem pra Amanda Seyfried "que os olhos grandes você tem", o que será que ela diria?
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