Eu sou fã de Steven Spielberg. É inegável que seus filmes fazem parte da minha vida. Mas nem por isso sou fã incondicional do cineasta, achando que tudo o que ele faz é ótimo. Infelizmente, ele também faz filmes fracos e esse é o caso deste Cavalo de Guerra (War Horse no original), um filme que eu considero: 1 - meio perdido; e 2 - que tenta forçadamente levar o espectador às lágrimas, mas que não o consegue de maneira orgânica, apelando pra alguns truques "baratos" (trilha sonora "inspiradora" se elevando em momentos calculados, estou falando com você).
Cavalo de Guerra acompanha a vida do cavalo Joey, desde o seu nascimento, a sua compra por um velho fazendeiro veterano de guerra e bêbado, Ted Narracott (Peter Mullan), o seu treino sendo domado pelo filho do fazendeiro, Albert (Jeremy Irvine), com quem desenvolve uma profunda amizade, e por fim, a sua ida à primeira guerra mundial, já que a família Narracott se viu obrigada a vender o cavalo por causa de dinheiro. Durante a guerra, o cavalo passa por diferentes donos e faz parte de diversas histórias, como se fossem vários pequenos contos costurados com a presença do cavalo: temos o avô e a neta doente franceses que vivem sozinhos alheios à guerra, mas que se vêm no meio dela; os irmãos soldados que estão prestes a serem separados e que acabam juntos de forma trágica; o tratador de animais bondoso que sente pena dos cavalos, etc.
De fato, Cavalo de Guerra é claramente separado em duas partes. A primeira, que é onde vemos o cavalo sendo domado por Albert, com os dois desenvolvendo uma profunda amizade, é mais infantil, em vários aspectos. De fato, nessa parte o filme lembra os velhos filmes live-action da Disney dos anos 70, com seus toques de humor infantil e nonsense (como o valente ganso que persegue os visitantes na fazenda, que por um momento, achei que fosse falar), os personagens bastante caricatos (sobretudo, com as caracterizações e maquiagem exageradas de Peter Mullan e David Thewlis) e sobretudo, a fotografia com jeito de envelhecida, como se fosse um filme dessa época. Essa característica da fotografia é bem marcante, tanto que em planos ao ar livre, os personagens aparecem iluminados de cima (ignorando a posição do sol), dando um ar "falso" ao filme, como era feito antigamente (já que era de praxe filmar em estúdio, com o cenário sendo um fundo pintado, e com a luz batendo em ângulos claramente falsos). A única inovação tecnológica, no caso de Cavalo de Guerra, deve ter sido o uso do chroma key (o famoso fundo verde) em vez de pinturas ou fotografias.
A segunda parte é quando o cavalo Joey vai para a guerra. Nesta parte o filme se parece com uma coletânea de pequenos contos, tendo como elo de ligação, o cavalo. A própria fotografia do filme muda, passando de cores fortes e alegres para tons mais escuros e sombrios. A exceção talvez seja apenas alguns planos quando a neta e avô se encontram com o cavalo, quando a fotografia volta a exibir aquele jeito Disney anos 70, mas é apenas um pequeno alívio diante do que está por vir.
Entretanto, mesmo que a segunda parte exiba um tom mais sóbrio, o filme continua a ser voltado para toda a família. Imagine, por exemplo, as cenas iniciais de O Resgate do Soldado Ryan, quando acontece o desembarque na Normandia. Mas tire o sangue jorrando e corpos dilacerados. Essa é exatamente uma das sequências do filme (uma das raras em que se foca mais no personagem humano da dupla de amigos, o jovem Albert). Outro exemplo de violência amenizada é o plano do moinho, com a câmera no alto do moinho filmando os acontecimentos abaixo, e no que seria o ápice, você não vê porque a pá do moinho passa em frente bem no momento. O sentimento que fica é mais ou menos como se o pai de uma criança pequena colocasse as mãos em frente aos olhos da criança em um determinado momento, pra ela não ver algo inapropriado.
Todavia, esses pequenos contos da segunda parte do filme acabam sendo bem rápidos e com pouco desenvolvimento dos personagens, o que faz com que não consigamos nos conectar aos personagens de forma convincente. Talvez por isso, Spielberg tenha dado ao cavalo características típicas da Disney dos anos 80/90, faltando apenas o cavalo falar (assim como o fusca). Só assim pra explicar as reações inteligentes do cavalo, que em mais de uma vez, salvam um cavalo "amigo" (ao "ensiná-lo" a colocar um arreio e em outra ocasião, em que ele "se oferece" em lugar do outro).
Cavalo de Guerra tem seus bons momentos, mas parece que Spielberg pesou muito a mão, empobrecendo ótimas ideias. Num momento que poderia se tornar icônico, quando o cavalo Joey está preso por arames farpados no meio do campo da batalha, dois soldados se erguem de suas trincheiras e deixam de lado a guerra, para ajudar o animal. Por si só essa história já é emocionante, mesmo que não seja de todo o original, já que é semelhante a fatos reais, que inclusive já foram dramatizados no filme (que eu ainda não assisti, mas apenas li a sinopse), Feliz Natal - ou Joyeux Noël, em que os soldados adversários na Primeira Guerra Mundial fazem uma trégua informal a noite e se unem cantando canções natalinas. De fato, é quase certo que Spielberg, ou o autor do livro no qual o filme é baseado, tenham ouvido essas histórias. Infelizmente, os diálogos desta cena no filme não são dos melhores, o que acaba comprometendo a excelente ideia.
Pequenos SPOILERS neste parágrafo (pode pular para o próximo). Outro momento em que o diretor pesa a mão é no final. Que depois do clímax, tem mais um pequeno clímax, totalmente desnecessário (mesmo que esta cena, a do segundo leilão, se mostre como uma rima do início). Outro momento que Spielberg pesa a mão demais são os planos que mostram Joey e Albert retornando ao lar, em que a fotografia e a composição gritam E o Vento Levou..., tanto que você quase espera que o personagem erga uma das mãos e grite que nunca mais passará fome.
Enfim, Cavalo de Guerra é um filme fraco de Spielberg. Tem cenas que merecem mérito, mas no geral, parece meio perdido, entre a vontade de ser infantil e lúdico, e a obrigação de mostrar uma guerra menos romantizada. Seria melhor que tivesse escolhido apenas um. Mas isso não impede que você se emocione e derrame umas lágrimas. Afinal, além de momentos meticulosamente calculados para isso (especificamente o final, com a música), tem momentos em que a história se eleva mais do que o seu meio (especificamente quando Joey se enrosca nos arames farpados). Mesmo assim, só isso não consegue fazer o filme brilhar.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.
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