Baseado na autobiografia, o filme O Último Dançarino de Mao (ou Mao's Last Dancer no original) tem elementos clássicos de filmes de superação, bem como um contexto político e o drama pessoal. Mas também é uma história que, no fundo, poderia ser transcrita usando outras grandes figuras da humanidade, pois reúne determinação, escolhas, egoísmo e até mesmo, um toque de destino (se você acredita em desígnios), no caminho da elaboração e execução de uma grande obra, no caso, a arte da dança.
Tendo como base o livro autobiográfico do dançarino/bailarino chinês Li Cunxin (vivido na idade adulta por Chi Cao), O Último Dançarino de Mao mostra a história de Li desde a sua infância na pobre província rural de Shangdon, onde nasceu, cresceu e onde, ainda criança, foi escolhido para fazer parte do grupo de balé da escola de artes de Beijing. Deixando para trás sua família, Li Cunxin passa por um rigoroso treinamento na escola (com direito até a um momento meio Dragonball, onde usa pesos pra treinar e se fortalecer para executar certos movimentos). A árdua prática é recompensada quando ele é escolhido para ir ao Estados Unidos em 1979, onde estudaria balé por alguns meses no grupo dirigido por Ben Stevenson (Bruce Greenwood), seu tutor no país. Entretanto, ao chegar no país da liberdade (ou nem tanto assim hoje em dia), o choque cultural e a paixão pela jovem e bela aspirante bailarina Elizabeth Mackey (Amanda Schull) fazem com que Li queira permanecer nos EUA, o que acaba causando um incidente diplomático na embaixada chinesa.
Contado de maneira não-linear (a narrativa é pontuada por flashbacks, às vezes bem longos), O Último Dançarino de Mao tem uma boa narrativa, mesmo que se note que certos assuntos são menos explorados do que no livro (o que é compreensível), como por exemplo, a puberdade de Li Cunxin e a escolha de sua parceira de balé, que deveria permanecer sempre a mesma. Além disso, a montagem contribui, fazendo com que os flashbacks se integrem bem à linha temporal principal, como por exemplo, quando no passado um Li criança, na sala de aula depois de um discurso político contra o capitalismo, diz que eles (os moradores de países capitalistas) devem viver uma vida muito ruim (por não ter um governo que os supra de comida e trabalho), e então a cena corta para Li, já adulto, pela primeira vez, no clima descontraído de uma danceteria (ou melhor, discoteca - lembrem-se que estamos no final dos 70 e início dos 80).
E já que falamos da época do filme, bem marcante por sinal, O Último Dançarino de Mao consegue ter uma boa ambientação temporal, tanto na maquiagem (oh, os penteados anos 80...) quanto nos figurinos (roupas que hoje só dariam vergonha alheia). Outro aspecto visual importante é a fotografia, que não raramente se mostra bastante granulada e com cores um pouco opacas, dando um tom envelhecido, desbotado, às imagens.
Com conteúdos políticos claramente expostos no filme, com vários exemplos, como a "lavagem cerebral" dos camponeses para com a revolução de Mao; o professor de dança preso por não concordar com a deturpação da arte em nome de um balé marketeiro-revolucionário-comunista; o medo inicial de Li Cunxin de não falar bem de seu líder na América; a pobreza da família de Li, cujo um dos maiores tesouros é uma caneta, entregue a Li por seu pai e que ganhara do avô com o sonho de um dia o filho conseguir ler e escrever; e culminando com o episódio na embaixada, que criou um rebuliço diplomático, O Último Dançarino de Mao acertadamente não se aprofunda nesses temas de maneira realista, preferindo um maniqueísmo simples (a exaltação da liberdade americana, na frase proferida por Li "Eu danço melhor aqui porque me sinto mais livre", como maior exemplo), mas foca na história de vida e na figura inspiradora do bailarino (que hoje, depois de ter se aposentado do balé, além de bem sucedido empregado do setor financeiro, é um palestrante motivacional).
O Último Dançarino de Mao nos apresenta ainda números de dança excelentes. Mesmo que o foco do filme seja a história de superação, isso não quer dizer que o aspecto visual/gráfico dos espetáculos seja esquecido, muito pelo contrário. O diretor Bruce Beresford filma as várias peças de balé que aparecem no filme de maneira ótima, bem dinâmica, chegando mesmo a parecer melhor que certos filmes musicais (também contribui para isso, o fato dessas cenas não serem tão longas quanto em musicais), especialmente a última apresentação formal do filme (que tem um final especialmente emocionante). Contribui muito para isso o fato do ator principal, Chi Cao ter sido escolhido pelo próprio Li Cunxin, sendo que Chi Cao é filho de ex-professores de Li, fora que há uma boa semelhança entre os dois, especialmente no físico. (E se alguém vier com a piada de que poderia ter escolhido qualquer chinês dançarino porque "chinês é tudo igual", saiba que essa piadinha está no filme, mas genialmente, de maneira inversa.)
Destaque ainda para Chengwu Guo, que interpreta Li na adolescência. Aliás, as interpretações estão muito boas, tanto do elenco oriental quanto do ocidental. E é surpreendente que tanto Chengwu Guo quanto Chi Cao sejam bailarinos e não atores profissionais. Entretanto, o primeiro consegue imprimir uma carga dramática ao seu personagem bem maior, talvez por atuar na língua materna. Chi Cao parece um pouco atordoado com o que acontece ao seu redor, o que é a reação esperada do seu personagem. Nesse aspecto, tanto faz se isso é intencional ou não, pois o resultado é bastante verossímil.
O Último Dançarino de Mao é um filme sobre escolhas, desígnio, vontade e superação humana, sobretudo na arte de cada um. (E claro, o "egoísmo" envolvido nisso. No filme, isso se vê pela necessidade dele de dançar livre, mesmo que isso acabe custando a impossibilidade dele ver a família por longos anos, por exemplo.) E a recapitulação no final, além de prover o momento emocionante da jornada, deixa claro tudo isso. Aliás, nos emocionamos porque a superação pessoal, de alguma forma, ressoa em cada um de nós, mesmo que não façamos espacate (dói só de ver no filme) e não dancemos nem um dois pra cá, dois pra lá. Enfim, recomendadíssimo.
Trailer:
Para saber mais: página no site oficial (em inglês) de Li Cunxin sobre o filme.
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