"O que fazemos na vida ecoa na eternidade!", dizia Russel Crowe em Gladiador. Bem, os personagens do filme Histeria (no original Hysteria) poderiam adaptar a frase para "O que fizemos na vida, vibra na eternidade!". Isso porque o filme romanceia de maneira leve e divertida (e até meio caricata) a invenção do vibrador, o acessório erótico amigo número um das mulheres.
Histeria nos apresenta o doutor Mortimer Granville (Hugh Dancy), um jovem médico na era vitoriana em Londres, que não consegue se fixar em emprego algum em hospitais londrinos, por sempre bater de frente com os médicos mais velhos e seus chefes, que abominam as novidades da medicina que o jovem doutor prega (coisas como germes e assepsia). Desesperado por um emprego, ele acaba se tornando assistente do doutor Robert Dalrymple (Jonathan Pryce), cuja especialidade são mulheres. Mais precisamente, mulheres que sofrem da chamada histeria feminina.
Parêntese explicando algumas coisas (que podem ser considerados potenciais spoilers dos momentos cômicos). Se não quiser ler, pule o parágrafo abaixo:
Esta pseudo-doença, a histeria feminina, era usada como um diagnóstico genérico para várias condições femininas, geralmente com fundo psicológico, e no filme, sempre ligadas a falta da satisfação do desejo sexual, seja pela falta de um cônjuge ou pela inabilidade deste nas artes românticas, como frisam os personagens algumas vezes durante a projeção. O tratamento médico para tratar as "mulheres histéricas" era a chamada "massagem pélvica", em que os médicos estimulavam manualmente as mulheres (hoje conhecido como masturbação feminina, mas na época, era apenas uma singela e inocente massagem) até que elas alcançassem o "paroxismo histérico", hoje conhecido como o famoso orgasmo feminino, mas que na época era "medicamente" apenas paroxismo, pois "sabia-se" que as mulheres apenas sentiam prazer com penetração. Só pela descrição textual nota-se que é algo engraçado hoje em dia (zombar do "conhecimento científico" do passado geralmente é), e as situações envolvidas nisso rendem as melhores risadas do filme.
Voltando a trama, Mortimer Granville se instala na casa do doutor Dalrymple, onde conhece as duas filhas, a doce e "perfeita" Emily (Felicity Jones) e a impetuosa e com ideias avançadas e modernas Charlotte (Maggie Gyllenhaal). A princípio Mortimer se encanta por Emily, mas aos poucos o espírito de Charlotte começa a fazer efeito nele. Enfim, como comédia romântica e os nomes no cartaz sugerem, você sabe que os dois no final vão ficar juntos.
Histeria tem, na verdade, duas tramas paralelas. A primeira e mais engraçada é a invenção do vibrador (que é um tanto romanceada segundo minhas pesquisa wikipedianas - ver principalmente o livro The Technology of Orgasm: "Hysteria," the Vibrator, and Women's Sexual Satisfaction de Rachel P. Maines -, já que o doutor Joseph Mortimer Granville, detentor da patente do primeiro vibrador elétrico, teria inventado o equipamento para outros fins e outros médicos é que acabaram usando a máquina para fins "massagísticos pélvicos"). A segunda trama é a obrigatória história de amor entre os personagens, que acontece de acordo com os clichês do gênero: no começo os personagens não se bicam, mas no final, se descobrem apaixonados.
Essa parte infelizmente é a mais fraca do filme, com o desenvolvimento dos sentimentos dos personagens um tanto fraco. O que eclipsa o romance é o discurso moderno proferido pela personagem de Maggie Gyllenhaal, que trabalha numa espécie de centro comunitário cuidando de crianças e mulheres, versando sobre suporte aos mais desafortunados e principalmente os direitos das mulheres (ao voto, ao corpo e tudo o mais que hoje as feministas e qualquer um que viva no século atual sabem de cor e salteado). De fato, tirando a parte mais cômica envolvendo o vibrador, é Charlotte que consegue levar o filme adiante, com sua paixão (e atitudes altruístas) pelas mulheres, seus direitos e problemas.
Além de uma boa direção de arte retratando a Londres da época, Histeria tem como grande mérito as atuações. Maggie Gyllenhaal, como sempre, é sensacional (como fã dela, talvez eu seja suspeito pra falar isso, mas é inegável que a atuação da atriz carrega boa parte do filme). Hugh Dancy consegue segurar como co-protagonista, mesmo seu personagem sendo claramente inferior (especialmente no sentido de se sentir inseguro) diante às mulheres no filme. Os coadjuvantes também estão bem, com destaque para Jonathan Pryce e Rupert Everett como amigo de Mortimer, apesar deste estar irreconhecível (quem lembra dele em O Casamento do Meu Melhor Amigo irá tomar um susto).
Enfim, Histeria é um filme simpático e leve, apesar dos temas sexuais (boa parte disso se deve ao tom caricato dos personagens, tendendo visivelmente para a comédia). É divertido, mas não foge das clássicas fórmulas de comédias românticas. Não é exatamente um filme vibrante, mas, relaxando, é bem divertido.
Trailer (que tira muito da graça do filme, esteja avisado):
Para saber mais: crítica no Omelete.
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