E terça-feira passada foi dia de sessão dupla no cinema. Depois de assistir o razoável Em Busca de uma Nova Chance, foi a vez de dar muita risada com a nova comédia do diretor Woody Allen, o filme Tudo Pode Dar Certo (no original, Whatever Works), que chegou alguns meses atrasados aqui em Floripa, mas pelo menos chegou.
No filme, Larry David é Boris, físico tão inteligente quanto neurótico. Ele é o alterego do diretor na película, encarnando brilhantemente todas as neuroses e idiossincrasias de Woody Allen. A diferença é o tom que David usa, ainda mais sarcástico e cínico do que os alteregos de Allen (ou ele próprio) geralmente são. Imagine alguém tão inteligente, ranzinza e sarcástico quanto o doutor House. Agora triplique isso, adicione alguns sintomas de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e uma pitada de hipocondria, e pronto, você já conhece Boris. Outra similaridade com o doutor: ele também é manco. E faz muitas citações, que nem todo mundo vai entender, mas quem pegar, vai ter um motivo a mais pra estampar um sorrisão no rosto.
Quando conhecemos Boris, vemos que ele é, acima de tudo, uma pessoa sem esperança. Tendo abandonado sua profissão, passa o tempo ensinando xadrez para crianças sem o menor talento, apenas para jogar as peças em cima das cabeças delas. Separado (porque achava a sua ex-mulher perfeita demais), Boris um dia acaba se deparando com Melody (Evan Rachel Wood), toda desarrumada e suja na sua porta, pedindo por um pouco de comida. Boris acaba lhe dando abrigo, que ele espera ser temporário, mas que se mostra um pouco mais demorado.
Melody é uma típica menina de cidade pequena e caipira do sul, bem estereotipada com seu sotaque característico, suas tendências religiosas, e sua beleza, tão incontestável quanto sua ignorância e burrice. E claro, ela está fugindo de casa. Uma jovem encantadora, porém, muito longe de ser considerada inteligente. Mesmo com os insultos que Boris dirige a ela, Melody sempre se mantém de bom astral, até porque não entende boa parte do sarcasmo de Boris.
Melody vai ficando e ficando, e Boris começa a se sentir mais a vontade com ela. Até que, num momento clichê, ela se apaixona por ele, e os dois acabam casando. Depois, chega a mãe de Melody, que não aceita de jeito nenhum a relação dos dois. E depois, chega o pai, numa das cenas mais engraçadas do filme.
O filme é hilário. Ao contrário de muitas outras obras de Woody Allen, que escreve e dirige, o humor de Tudo Pode Dar Certo é bem democrático, sem apelar para o pastelão descarado. Mesmo aquela pessoa um pouco mais lenta vai soltar umas boas risadas. Evidentemente, se você for mais inteligente, vai rir mais. Sim, porque se tem piadas que todo mundo ri (e as gargalhadas que eu ouvi na sessão provam isso), também tem piadas mais sutis, mas não menos engraçadas.
Como se pode notar, o roteiro é o grande trunfo de Tudo Pode Dar Certo. Mesmo os clichês, como o já citado, funcionam. Como o próprio filme diz, "às vezes um clichê é a melhor maneira de se expressar", ou algo parecido (não lembro das palavras exatas). Uma maneira genial de se 'desculpar' pelos clichês, mesmo que não haja o que desculpar neste filme. O problema dos filmes, geralmente não é a existência de um clichê, mas o abuso deles.
Entretanto, uma coisa que pode prejudicar (um pouco) o filme Tudo Pode Dar Certo é justamente o seu título em português. Whatever Works é algo mais próximo de "O que der certo", no sentido de "o que for suficientemente bom pra dar certo". Essa expressão é usada algumas vezes no filme, e tem uma certa importância na definição do tom do filme. Tenho a impressão de que mesmo durante os diálogos, essa expressão foi traduzida como no título, de maneira que altera, mesmo que sutilmente, o sentido. Não sei se realmente aconteceu, porque neste filme não consegui acompanhar todas as legendas (acabo indo mais pelo som original).
A atuação é um espetáculo a parte. Larry David está um Woody Allen turbinado. Seu sarcasmo e ironia são deliciosos de se ver. Mesmo nas cenas em que Boris, utilizando-se de meta-linguagem, dirige-se aos espectadores (para por vezes, insultá-los), está ótimo. O seu timing de comédia está perfeito. Evan Rachel Wood, entretanto, é a grande surpresa do filme: sua adorável caipira Melody é ao mesmo tempo encantadora e muito engraçada, como nos momentos em que ela repete as frases que ouve de Boris, mesmo sem saber o que elas significam. Até mesmo o sotaque carregado do sul dos EUA é utilizado na medida: na tênue linha entre o caricato engraçado e o exagerado, explorando todas as suas possibilidades na composição da personagem. Destaque ainda para Patricia Clarkson e Ed Begley Jr., os pais de Melody, absolutamente hilários.
Woody Allen, depois de passar uma temporada filmando na Europa, volta a seu reduto, Nova York, neste filme. Entretanto, essa volta ao cenário habitual pode até passar despercebido por um espectador mais desatento. Isso se deve a fotografia do filme, que raramente mostra planos mais abertos, se focando sempre nos rostos dos personagens. Talvez uma das poucas vezes em que a fotografia assume maior importância seja a cena que se passa no museu de cera. Nesta cena, acontece uma das poucas piadas visuais do filme, apesar de ser bem sutil (e carecer de um referencial mais apurado do espectador, mas de qualquer jeito, muito bacana de se perceber).
Enfim, Tudo Pode Dar Certo é uma comédia excelente, que se pauta bem mais no roteiro inteligente e nos diálogos afiados, do que em gags visuais ou no pastelão fácil. Isso geralmente causa certa apreensão nos donos de cinema, uma comédia inteligente, pois estamos acostumados, aqui no Brasil, a um humor rasteiro, nivelado por baixo, de Zorras e Didis (que é basicamente, um humor muito infantil). Entretanto, o aumento do número de sessões aqui na cidade (na primeira semana, só tinha uma sessão por dia, nesta semana têm sessões o dia inteiro), e o grande número de risadas que ouvi quando fui assistir o filme, mostram que talvez, ainda tenhamos espaço para um humor inteligente e de qualidade. Mesmo que demore um pouco mais para chegar por aqui.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.
7 comentários:
eu não gosto de comédia imbecil, tipo vovó zona e lálálá, mas as 'comédias' inteligentes me atraem, mesmo q o foco do filme não seja a comédia.
esse parece legal.
Se vc dá risada em House, vai gostar desse filme.
gosto bastante de house e tenho acompanhado mais ultimamente, as duas últimas temporadas não perdi nada, e as primeiras estou vendo pela reprise.
e sim, eu dou risada com ele, apesar de ter muuuita vontade de dar uma bofetada na cara dele.
Então vc vai ter vontade de matar o Boris.
ai ai ai...
ta... vou ler o post com as imagens pq o velho babão que se apaixona pela loira gostosa é muito cliche pra mim.
Gostei muito da resenha!
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