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Cavalo de Guerra acompanha a vida do cavalo Joey, desde o seu nascimento, a sua compra por um velho fazendeiro veterano de guerra e bêbado, Ted Narracott (Peter Mullan), o seu treino sendo domado pelo filho do fazendeiro, Albert (Jeremy Irvine), com quem desenvolve uma profunda amizade, e por fim, a sua ida à primeira guerra mundial, já que a família Narracott se viu obrigada a vender o cavalo por causa de dinheiro. Durante a guerra, o cavalo passa por diferentes donos e faz parte de diversas histórias, como se fossem vários pequenos contos costurados com a presença do cavalo: temos o avô e a neta doente franceses que vivem sozinhos alheios à guerra, mas que se vêm no meio dela; os irmãos soldados que estão prestes a serem separados e que acabam juntos de forma trágica; o tratador de animais bondoso que sente pena dos cavalos, etc.
De fato, Cavalo de Guerra é claramente separado em duas partes. A primeira, que é onde vemos o cavalo sendo domado por Albert, com os dois desenvolvendo uma profunda amizade, é mais infantil, em vários aspectos. De fato, nessa parte o filme lembra os velhos filmes live-action da Disney dos anos 70, com seus toques de humor infantil e nonsense (como o valente ganso que persegue os visitantes na fazenda, que por um momento, achei que fosse falar), os personagens bastante caricatos (sobretudo, com as caracterizações e maquiagem exageradas de Peter Mullan e David Thewlis) e sobretudo, a fotografia com jeito de envelhecida, como se fosse um filme dessa época. Essa característica da fotografia é bem marcante, tanto que em planos ao ar livre, os personagens aparecem iluminados de cima (ignorando a posição do sol), dando um ar "falso" ao filme, como era feito antigamente (já que era de praxe filmar em estúdio, com o cenário sendo um fundo pintado, e com a luz batendo em ângulos claramente falsos). A única inovação tecnológica, no caso de Cavalo de Guerra, deve ter sido o uso do chroma key (o famoso fundo verde) em vez de pinturas ou fotografias.
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A segunda parte é quando o cavalo Joey vai para a guerra. Nesta parte o filme se parece com uma coletânea de pequenos contos, tendo como elo de ligação, o cavalo. A própria fotografia do filme muda, passando de cores fortes e alegres para tons mais escuros e sombrios. A exceção talvez seja apenas alguns planos quando a neta e avô se encontram com o cavalo, quando a fotografia volta a exibir aquele jeito Disney anos 70, mas é apenas um pequeno alívio diante do que está por vir.
Entretanto, mesmo que a segunda parte exiba um tom mais sóbrio, o filme continua a ser voltado para toda a família. Imagine, por exemplo, as cenas iniciais de O Resgate do Soldado Ryan, quando acontece o desembarque na Normandia. Mas tire o sangue jorrando e corpos dilacerados. Essa é exatamente uma das sequências do filme (uma das raras em que se foca mais no personagem humano da dupla de amigos, o jovem Albert). Outro exemplo de violência amenizada é o plano do moinho, com a câmera no alto do moinho filmando os acontecimentos abaixo, e no que seria o ápice, você não vê porque a pá do moinho passa em frente bem no momento. O sentimento que fica é mais ou menos como se o pai de uma criança pequena colocasse as mãos em frente aos olhos da criança em um determinado momento, pra ela não ver algo inapropriado.
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Todavia, esses pequenos contos da segunda parte do filme acabam sendo bem rápidos e com pouco desenvolvimento dos personagens, o que faz com que não consigamos nos conectar aos personagens de forma convincente. Talvez por isso, Spielberg tenha dado ao cavalo características típicas da Disney dos anos 80/90, faltando apenas o cavalo falar (assim como o fusca). Só assim pra explicar as reações inteligentes do cavalo, que em mais de uma vez, salvam um cavalo "amigo" (ao "ensiná-lo" a colocar um arreio e em outra ocasião, em que ele "se oferece" em lugar do outro).
Cavalo de Guerra tem seus bons momentos, mas parece que Spielberg pesou muito a mão, empobrecendo ótimas ideias. Num momento que poderia se tornar icônico, quando o cavalo Joey está preso por arames farpados no meio do campo da batalha, dois soldados se erguem de suas trincheiras e deixam de lado a guerra, para ajudar o animal. Por si só essa história já é emocionante, mesmo que não seja de todo o original, já que é semelhante a fatos reais, que inclusive já foram dramatizados no filme (que eu ainda não assisti, mas apenas li a sinopse), Feliz Natal - ou Joyeux Noël, em que os soldados adversários na Primeira Guerra Mundial fazem uma trégua informal a noite e se unem cantando canções natalinas. De fato, é quase certo que Spielberg, ou o autor do livro no qual o filme é baseado, tenham ouvido essas histórias. Infelizmente, os diálogos desta cena no filme não são dos melhores, o que acaba comprometendo a excelente ideia.
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Pequenos SPOILERS neste parágrafo (pode pular para o próximo). Outro momento em que o diretor pesa a mão é no final. Que depois do clímax, tem mais um pequeno clímax, totalmente desnecessário (mesmo que esta cena, a do segundo leilão, se mostre como uma rima do início). Outro momento que Spielberg pesa a mão demais são os planos que mostram Joey e Albert retornando ao lar, em que a fotografia e a composição gritam E o Vento Levou..., tanto que você quase espera que o personagem erga uma das mãos e grite que nunca mais passará fome.
Enfim, Cavalo de Guerra é um filme fraco de Spielberg. Tem cenas que merecem mérito, mas no geral, parece meio perdido, entre a vontade de ser infantil e lúdico, e a obrigação de mostrar uma guerra menos romantizada. Seria melhor que tivesse escolhido apenas um. Mas isso não impede que você se emocione e derrame umas lágrimas. Afinal, além de momentos meticulosamente calculados para isso (especificamente o final, com a música), tem momentos em que a história se eleva mais do que o seu meio (especificamente quando Joey se enrosca nos arames farpados). Mesmo assim, só isso não consegue fazer o filme brilhar.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Cinema em Cena e no Omelete.
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