Filmes europeus têm a fama de serem lentos, intimistas e pouco didáticos (fama que é mais aplicável aos "cults", já que os filmes mais populares, como Minhas Tardes com Margueritte, que estreou recentemente por aqui, passam longe desse estereótipo). De qualquer maneira, o filme brasileiro Meu País tem todo esse estilo estereotipado de filme europeu: ritmo lento, intimista e pouco didático. Sem dúvida, é algo diferente do cinema nacional padrão, e o resultado é muito bom, mas podia ter sido melhor.
Meu País nos conta a história de dois irmãos, Marcos (Rodrigo Santoro), o irmão mais velho, brasileiro que emigrou para a Itália e comanda grandes fundos financeiros lá, casado com a italiana Giulia (Anita Caprioli); e Tiago (Cauã Reymond), o filho mais novo que ficou no Brasil. Os dois irmãos voltam a se reunir quando o pai deles, Armando (Paulo José, numa ponta) morre e Marcos volta para o Brasil para o funeral. Entretanto, o que era para ser uma viagem rápida acaba se alongando quando Marcos descobre que tem uma meia-irmã, fruto de um caso extra-conjugal do pai. A questão é que essa irmã, Manuela (Débora Falabella) está internada numa instituição mental, pois sofre de deficiência intelectual, que a faz ser como criança, apesar dos seus 24 anos. E pra completar, o médico recomenda que ela volte para um convívio familiar, com receio de que o estado dela regrida.
Sem dúvida, o ponto alto de Meu País são as atuações. Santoro está excelente como Marcos, que age de maneira fria, muitas vezes (como se esperaria de uma pessoa que trabalho no mercado financeiro), mas que ao mesmo tempo, deixa transparecer através desta fachada, um nervosismo e tensão que afligem o personagem. Cauã Reymond também trabalha bem o seu Tiago mimado e infantil, enquanto que Falabella convence como uma personagem de idade mental de uma criança. Destaque também para Anita Caprioli, que além de uma linda mulher, entrega uma sensível atuação. Pode até parecer brincadeira, mas até mesmo o cachorro, pertencente à família no filme, atua bem. Parabéns ao adestrador.
A atuação também é ajudada pela fotografia que o diretor estreante em longas André Ristum utiliza. Usando frequentemente planos fechados, em que a atuação do ator é posta à prova e realçada ao máximo, Ristum com isso também acaba criando um clima intimista para o filme, ajudado ainda pela fotografia de alta granularidade e com tons sóbrios (especialmente tendendo para o cinza e o azul). Fotografia, aliás, que combina muito com a cidade em que se passa o filme, São Paulo.
O roteiro de Meu País, escrito por Marco Dutra, Octavio Scopelliti e André Ristum (este último, o diretor), é pouco didático, no sentido de que não explica ao espectador tudo nos mínimos detalhes, deixando muita coisa subentendida (note, por exemplo, como a relação entre Armando e seu filho Marcos, que não devia ser das melhores, só é denunciada pelo jeito com que Marcos se refere ao pai pelo nome e não por "pai", ou então, mais para o final, como Marcos finalmente se mostra ressentido por ter tido que crescer sozinho, num internato no exterior). Se isso por um lado é geralmente bom por não subestimar a inteligência do espectador, no filme isso tem uma desagradável consequência. Talvez por não querer revelar tanto, ou qualquer que seja o motivo, essa economia de informações acaba deixando muitas facetas dos personagens inacabadas. (Ainda no exemplo de Marcos, qual teria sido o motivo de seu "exílio"?) Entretanto, não é nada que prejudique o filme.
Pra mim, o maior problema de Meu País é a resolução final. Depois de um pseudo-clímax (meio caricato, aliás, envolvendo um pseudo-gângster), há aquela cena típica de final de filme, com os personagens (no caso, os três irmãos) juntos e num cenário edificante, esperando por um novo começo (no caso, na beira do mar, fazendo uma rima visual com o começo do filme). Além do fim do filme não ser realmente um fim, no sentido de que os personagens apenas começaram as suas transformações, ou seja, ainda não mudaram mesmo depois de tudo pelo qual passaram, o filme passa a impressão, através dessas imagens, que tudo ficará bem. O que pode ser uma baita de uma mentira, pois aquele não é realmente o fim, como eu disse (basta lembrar a resolução sem final do caso do pseudo-gângster). Entretanto, entendo o ponto de vista de Ristum: o final do filme é sobre esperança, não redenção. Entendo, mas não preciso gostar só porque compreendo. E também devo dizer que não gostei do título do filme, Meu País. Se alguém, assim como eu, foi ver o filme sem ter visto algum trailer ou ler alguma resenha (sim, eu fiz isso porque iria ver outro filme, mas errei o horário), fica temendo antes da sessão começar que comprou um ingresso para mais uma daquelas obras ufanistas-babacas exaltando como o Brasil é o melhor dos mundos (mentira!).
Enfim, Meu País tem excelentes atuações e uma boa direção (além da rima visual da praia no começo e fim do filme, destaco também no começo do filme a cena em que é mostrado Armando doente, enquanto Tiago bebe champanhe é mostrado Armando internado, recebendo soro via conta-gotas, enquanto o chamapanhe era derramado da garrafa à boca de Tiago). Não é um filme que é geralmente apreciado pelo grande público (basta dizer que ritmo lento e clima intimista não exatamente fazem parte do gosto nacional), mas é um bom filme. Poderia ter sido melhor, ao explorar algumas facetas de alguns personagens mais a fundo, mas me emocionou em vários momentos. O saldo ainda é pra lá de positivo.
Trailer:
Para saber mais: crítica no Omelete e site oficial do filme Meu País.
5 comentários:
"Filmes lentos, intimistas e pouco didáticos"
São tipo aquele "O Vencedor" Com Christian Bale e Mark Wahlberg?
Verônica
Do mesmo estilo, mas ainda mais lentos, intimistas e menos didáticos ainda, hehehe.
ótima crítica.
observo apenas o seguinte:
concordo que o filme acaba mais no clima da esperança do que de redenção, mas não concordo que ele não tenha fim.
Penso que o autor finaliza o que para ele é o mais importante: os irmãos ficam juntos. era isso que o pai morto queria, e é isso que acontece. a cena final indica claramente este fim.
o resto, as dificuldades financeiras, ameaças e afins, ficam realmente na esperança. mas isso serve apenas como enredo para o filme, não é a mensagem principal.
Ah, tá... Agora captei! rsrs
deu vontade de ver, mesmo estando sem vontade de cinema.
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